Em trecho de um documento oficial intitulado Estratégia
Federal de Desenvolvimento para o Brasil, que traça diretrizes para o período
2020-2031, o governo Jair Bolsonaro achou por bem encampar a retórica
de movimentos conservadores contrários ao aborto.
Dentre as medidas voltadas a “efetivar os direitos humanos
fundamentais e a cidadania”, o texto do Planalto define como meta “promover o
direito à vida, desde a concepção até a morte natural, observando os direitos
do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável, planejamento
familiar e atenção às gestantes”.
É legítimo, obviamente, que um presidente ou qualquer outro
político defenda suas convicções e busque levá-las, pelos meios democráticos,
às políticas públicas. Isso dito, cumpre apontar que a associação entre
desenvolvimento e restrição a direitos de interrupção da gravidez destoa da
experiência das sociedades mais avançadas.
Como advoga esta Folha, trata-se de tema a ser
encarado sob a ótica da saúde pública, de modo a preservar a vida e a segurança
das mulheres. Assim tem entendido um número crescente de países.
O governo brasileiro esteve em má companhia ao assinar,
neste mês, certa Declaração
de Consenso de Genebra —do suposto consenso antiaborto participavam
outras 30 nações, entre elas os EUA de Donald Trump, a Hungria de Viktor Orbán,
Indonésia, Egito e Uganda.
A gestão Bolsonaro, ademais, atenta até contra as
possibilidades previstas na lei e na jurisprudência —os casos de estupro, risco
à vida da mãe e feto anencéfalo.
Portaria do Ministério da Saúde criou constrangimentos para
os médicos que realizam procedimentos; revelou-se que a pasta de Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos tentou intervir na interrupção da gravidez de
uma menina estuprada de apenas dez anos.
O cerco, infelizmente, não se dá apenas por parte do
Executivo federal —como se viu na recente decisão do Tribunal de Justiça
paulista de impedir que a ONG Católicas pelo Direito de Decidir, favorável à
legalização do aborto, utilize
a referência religiosa em seu nome.
Beira o escárnio que uma corte judicial em um país laico se
arrogue o direito de dirimir questões eclesiásticas, em violação à liberdade
constitucional de associação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário