Vendedores, motoristas, operários, jardineiros,
guardas-noturnos, babás, bilheteiras, faxineiros, baleiros e garçons integram o
contingente de quase
40 milhões de pessoas no trabalho
informal no Brasil, mais de 41% da população ocupada, recorde desde o
início da pesquisa PNAD Contínua do IBGE, em 2016. Destes, 25 milhões são
trabalhadores por conta própria, e 12 milhões, empregados sem carteira
assinada.
Eles estão por todo lado: nas rodoviárias, nas motos,
balançando nas construções, tocando sanfona, vendendo fumo e, na imensa
maioria, vivendo na pobreza, somando-se aos mais
de 12 milhões de desempregados e aos miseráveis que passam fome, tema
que retomo adiante.
A existência desse contingente causa enorme perda de receita
da Previdência —hoje,
apenas 62,4% da população empregada é contribuinte do INSS— e reduz a renda, o
consumo, a arrecadação de tributos, os investimentos, o crescimento e, ao fim,
a geração de empregos, situação agravada pela política macroeconômica
restritiva em curso há cinco anos. Além disso, dificulta o próprio
enfrentamento de questões centrais.
Tome-se a reforma
tributária: como incluir no sistema, com eficiência e justiça, esses
milhões de brasileiros —que, aliás, dada a predominância da tributação
indireta, já pagam, nos seus gastos básicos, proporcionalmente mais impostos do
que os ricos? Igualmente as políticas de inovação e produtividade: com que mão
de obra avançar nesses campos? E como reduzir o que muitos economistas criticam
como gastos obrigatórios com saúde, educação e assistência? Talvez contando com
a morte, de fome, de bala ou vício, da maioria dessas pessoas.
A adoção da reforma
trabalhista, em 2017, no meio da maior recessão da nossa história moderna,
certamente contribuiu para o desemprego e a informalidade. Buscava-se a
primazia do negociado sobre o legislado, o que seria razoável se as partes em
negociação estivessem em condições equiparáveis de interlocução. No meio da
recessão, porém, o que se instalou foi a negociação do pescoço com a guilhotina.
As cabeças seguem rolando.
Uma sugestão (a ser estudada) para incentivar a formalização
da mão de obra e, de quebra, aumentar a arrecadação da Previdência, é
estabelecer a contribuição previdenciária dos empregadores com base não no
tamanho da folha de salários, mas numa razão (R) entre faturamento (ou valor
agregado, ou lucro) no numerador e folha de salários formalizada no
denominador. Quanto maior o R, maior a alíquota, numa curva discreta, com
degraus suaves. Com isso, incentiva-se o emprego formal e diferenciam-se, na
contribuição, os setores intensivos em capital dos intensivos em mão de obra.
Voltando à fome. Segundo o Ministério da Saúde, em média 15
pessoas morrem de fome por dia no Brasil; quase 6.000 por ano. Estudo da FAO
contabiliza 5 milhões de brasileiros desnutridos. Para o IBGE, ao menos 15
milhões vivem em situação grave ou moderada de insegurança alimentar.
Crianças com até cinco anos são 10% desse montante. São
justamente essas crianças que comem luz que, se não desencarnam, acabarão
integrando o contingente dos brasileiros desempregados ou submetidos a
trabalhos e empregos precários das estatísticas que abrem este artigo. Mas
ninguém pergunta de onde essa gente vem.
Luiz Guilherme Piva
Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política
e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e
da Política’ (Manole)
Nenhum comentário:
Postar um comentário