Nada mais exemplar do establishment que Bolsonaro prometeu
destruir do que a reunião promovida pelo ministro Dias Toffoli do Supremo
Tribunal Federal em sua casa em Brasília nesse domingo. O almoço, que em
qualquer país civilizado provocaria escândalo, começou às 14 horas e foi até a
noite, com futebol e pizza. A fauna brasiliense presente ia de advogados que
atuam no Supremo, políticos de vários matizes, presidente do TCU e, por último,
mas não menos importante, o presidente da República em pessoa, que está sendo
investigado pelo STF.
Bolsonaro tenta separar o corpo da alma, pelo menos finge
querer. De um lado, entendeu que precisa de acordos políticos e aproximações
com o Congresso e o STF; e de outro, enfrenta os radicais que querem afrontar o
Congresso e o STF, na batida do início do governo, o que não é possível numa
democracia.
Bolsonaro entendeu que por esse caminho ia acabar sofrendo
impeachment, porque não há possibilidade de governar em guerra com o Congresso
e o STF. E a guerra com os dois outros poderes pressupõe uma visão democrática
deformada. Os três poderes são equivalentes, e é preciso obter uma posição
majoritária através de negociações.
Como só sabe fazer a baixa política, do toma lá, dá cá, que
viveu durante os 30 anos como parlamentar do baixo clero, e prometeu acabar
quando Presidente, aproximou-se da ala mais conservadora do STF e do Centrão,
que sempre está com todos os governos em troca de favores, poder, emprego.
Atacado por seus próprios aliados nas redes sociais, acusado
de ter feito acordo com o diabo, ou seja, a esquerda, Bolsonaro tenta se
defender como se sua alma estivesse onde sempre esteve, junto aos radicais da
extrema-direita, enquanto seu corpo circula pelos bastidores do establishment
“porque tenho que governar”.
A indicação do desembargador Kassio Marques, escolhido por
Dilma Rousseff para o TRF-1, e a amizade repentina com Dias Toffoli,
ex-advogado do PT, mostram para seus radicais uma promiscuidade inaceitável,
embora aceitem sem grandes protestos os acordos políticos com o Centrão, que
significam abandonar definitivamente o combate à corrupção.
Toffoli à frente do Supremo, cargo que deixou recentemente, marcou sua gestão
pela proximidade com o presidente Bolsonaro, com quem assinou um pacto político
totalmente inadequado. Os então presidentes do STF Nelson Jobim e Gilmar Mendes
firmaram pactos republicanos com os poderes Executivo e Legislativo, mas com o
objetivo de tornar a Justiça brasileira mais eficiente.
Nada semelhante ao pacto firmado por Dias Toffoli, à frente
do Supremo, com o objetivo de apoiar as reformas que tramitam no Congresso,
sobretudo a Previdenciária, que estava em discussão naquele momento. Não há na
história recente exemplo de pacto político de que tenha participado o Poder
Judiciário. Por uma razão muito simples: é nele que desaguarão as demandas dos
que se sentirem afetados pelas reformas. O Judiciário não pode fazer pactos
sobre assuntos que vai julgar.
Aliás, foi o que disse o novo presidente do Supremo,
ministro Luis Fux, ontem em uma palestra. Fux ficou de fora dos convescotes de
Brasília desde o primeiro dia em que o desembargador Kassio Marques foi com
Bolsonaro à casa de Gilmar Mendes ser oficializado como o candidato a
substituir Celso de Mello.
Ao assumir o cargo, disse que o Supremo terá “autoridade e
dignidade” fortalecidas, e advertiu que a harmonia entre Poderes “não se
confunde com subserviência”. A relação de Fux com o presidente Bolsonaro
começou marcada pela liturgia do cargo, o que só fará bem à democracia
brasileira.
O abraço fraternal dado em Bolsonaro não seria mais apertado
em Lula, antigo mentor de Toffoli que, cedo, descobriu que tem mais anos pela
frente de Supremo do que Lula de expectativa de poder.
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