Uma das melhores séries políticas em cartaz nas redes de
streaming mostra os intestinos da política na Dinamarca, um dos países mais
desenvolvidos e civilizados da Terra. Chama-se “Borgen” e é excelente, feito
goma arábica, de tanto que gruda. A história começa com a eleição do Parlamento
e a construção de um novo governo de centro, em substituição a um de direita.
Embora ficcional, a obra apresenta um bastidor imaginário do poder que não deve
ser muito diferente do real, já que o roteiro é de três dinamarqueses. E esse é
um valor extra que a série tem, além do entretenimento, pois se enxerga como
funciona a realpolitik local.
Aquela aura de incorruptibilidade que se vislumbra sempre
que um país nórdico é mencionado desvanece logo nos primeiros episódios. Claro
que nada se compara ao Brasil, onde corrupto carrega dinheiro enfiado entre as
nádegas, e operações políticas desviam bilhões de cofres de empresas públicas
para contas de partidos. Mas nem por isso o que ocorre em Borgen é a
quintessência do puritanismo na vida pública. Muito pelo contrário. Já no
primeiro episódio, o primeiro-ministro que está de saída se vê na contingência
de pagar compras da mulher com cartão corporativo oficial. Foi por acaso, pois
ele estava sem a carteira. Mas, na chance que teve para devolver o dinheiro,
foi convencido por um assessor de que era possível resolver aquilo jogando o
gasto numa rubrica qualquer do gabinete.
Em seguida, passada a eleição, ocorre uma intensa negociação
de cargos em troca de apoio. Até aí, tudo normal, está se construindo um novo
governo, e partidos que são próximos politicamente repartem os ministérios
entre si. Se é assim no presidencialismo, imagine no parlamentarismo, como o
dinamarquês. Formado o governo, no momento em que a nova primeira-ministra
tenta aprovar seu Orçamento, começa um festival de chantagens e traições.
Dissidentes de um partido da base exigem dela a construção de uma estrada em
troca de seus votos. E o que faz a primeira-ministra? Arruma seis bilhões de
coroas (R$ 5,4 bi) para comprar os chantagistas. Mais alguns bilhões são
dirigidos como subsídios a um setor da indústria local, de maneira a garantir o
apoio de outro grupo.
Mais adiante, de forma a conseguir a extensão do prazo para
aprovar o mesmo Orçamento, a primeira-ministra negocia com seu antecessor.
Promete sentar em cima das investigações sobre aquele gasto privado do cartão
corporativo, que acabou se tornando público durante a eleição, se ele a
apoiasse na questão. Feito o acordo, a investigação sobre o crime é encerrada
no dia seguinte, com o governo anunciando não ver elementos para seguir com o
inquérito. De qualquer ponto que se olhe o caso, o que se vê é um escândalo.
Não tem as dimensões tsunâmicas brasileiras, mas não é bobagem em se tratando
do país menos corrupto do mundo, segundo o ranking da Transparência
Internacional.
Na série há também ataques à imprensa. Pelo menos duas vezes
jornalistas são abertamente constrangidos por membros do governo. Na primeira,
uma repórter é intimidada na própria casa. Na segunda, a polícia entra numa
redação de TV local que denunciava um caso e informa que os jornalistas estão
sendo processados por interceptação de produto de roubo. O produto são fotos,
repassadas a repórter por fonte militar, que mostram que aviões americanos
pousaram em base dinamarquesa com prisioneiros ilegais. Apesar de a
primeira-ministra ficar fula da vida com a incursão policial antes de ela
acontecer, ela ocorre mesmo assim.
O leitor pode estar se perguntando o que o articulista quer
provar com isso. Nada. Trata-se, como já foi dito, de uma ficção. Obviamente
não se pretende igualar a Dinamarca ao Brasil, à Somália ou ao Sudão. Mas
parece claro, pelo menos para os roteiristas de “Borgen”, que maracutaia ocorre
no mundo inteiro. Todo país tem um centrão para chamar de seu.
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