O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros
(PP-PR), acha que a Constituição “só tem direitos” e que “é preciso que o cidadão
tenha deveres com a Nação”, razão pela qual defendeu um plebiscito para a
convocação de uma Assembleia Constituinte que, afinal, redija a Carta de seus
sonhos.
Se falava apenas em seu nome, o deputado revelou-se por
inteiro: é dos que enxergam direitos, especialmente os sociais, como empecilhos
à eficiência do Estado. Se falou em nome do governo que representa, fez
exatamente o que dele esperava seu guia, o presidente Jair Bolsonaro, que
sempre que pode demonstra desconforto com os limites impostos pelo pacto
democrático representado pela Constituição.
Todos sabem que a Constituição tem defeitos que precisam
urgentemente ser corrigidos. Este jornal há tempos defende uma ampla
reavaliação da Carta promulgada há mais de três décadas, especialmente em relação
aos muitos dispositivos que gravaram na pedra constitucional uma série extensa
de políticas públicas que jamais deveriam estar lá, pois, graças à sua natureza
circunstancial, devem ser atualizadas ou canceladas conforme mudam os governos,
avançam os tempos e variam as receitas disponíveis.
Mas não é disso que o deputado Ricardo Barros pareceu falar.
Sua proposta soou muito mais radical: reescrever a Constituição como se
estivéssemos a trocar de regime. Isso fazia todo o sentido em 1988, ano da
promulgação da atual Constituição, como ato de coroação da transição da
ditadura para a democracia, tendo como corolário o resgate dos direitos
sociais. Hoje, não faz sentido nenhum – a não ser que o bolsonarismo se
considere um novo regime, a clamar por uma nova Carta que o consagre.
Esse espírito já está claro para todos há muito tempo. Até
bem recentemente, o presidente Jair Bolsonaro, de viva voz ou por meio dos
camisas pardas que o representam, dedicava toda sua energia para atacar o
Supremo Tribunal Federal e o Congresso sempre que estes lhe recordavam de seus
deveres constitucionais. “Eu sou a Constituição”, chegou a dizer Bolsonaro em
um dos entreveros. Em outra ocasião, igualmente contrariado com o Supremo,
afirmou: “Eu respeito a Constituição, mas tudo tem um limite”.
Então, para Bolsonaro, o limite não é a Constituição, mas
sua vontade. Acalenta a ideia de exercer o poder sem peias, sob o argumento de
que está legitimado por milhões de votos.
É assim que, a partir do instante em que tomou posse, o
presidente vem tentando extrapolar seu poder constitucional – desde a edição de
uma medida provisória que atropelava o princípio federativo ao lhe dar a
prerrogativa de decretar o funcionamento de serviços públicos durante a
pandemia de covid-19, até a interpretação golpista da Constituição de que o
artigo 142 lhe garantia o direito de convocar as Forças Armadas para intervir
em eventual crise entre os Poderes.
Os exemplos são muitos, e nada disso deveria surpreender,
vindo de um político que passou a vida a hostilizar as instituições, a exaltar
torturadores e a defender a eliminação física de opositores – isto é, o avesso
da democracia.
Em todas as situações em que foram desafiados pelo
autoritarismo de Bolsonaro, o Supremo e o Congresso impediram os maus propósitos
do presidente, sempre conforme manda a Lei Maior, para irritação dos
bolsonaristas, desabituados de limites.
Não é casual, portanto, que o líder do governo na Câmara,
qualificado porta-voz das intenções do governo Bolsonaro, tenha declarado que é
preciso uma nova Constituição porque na atual, segundo disse, o poder dos
órgãos de controle, do Ministério Público e do Judiciário é excessivo. “O
ativismo do Judiciário está muito intenso, muito mais do que poderíamos
imaginar”, disse o deputado Ricardo Barros.
Os eventuais excessos apontados pelo deputado podem ser
corrigidos pelo Congresso, se essa for a vontade dos representantes
democraticamente eleitos. Não é preciso uma nova Constituição para isso – a não
ser que o objetivo seja eliminar os entraves legais que separam Bolsonaro do
poder absoluto que ele tanto deseja.
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