No conturbado e longínquo governo do marechal Floriano
Peixoto (1891-94) o Senado rejeitou cinco ministros indicados pelo presidente
da República para o Supremo Tribunal Federal. Nunca mais aconteceu.
O adesismo hoje está entranhado. Difícil imaginar um revés
para o chefe do Executivo no Brasil, mas o simples receio de não emplacar a
nomeação já faz com que se reduzam as expectativas de a escolha recair em um
intruso ou em um fantoche incondicional.
Em 18 maio de 1989, cobri para a Folha, como
enviado especial a Brasília, a sabatina de Celso de Mello, que
se aposenta nos próximos dias e abre vaga para Jair Bolsonaro.
Tínhamos a pretensão de fazer, pela primeira vez, a
cobertura crítica do processo de escolha de um ministro do STF —o mérito é da
direção do jornal, da mente inquieta e constitucionalista de Otavio
Frias Filho (1957-2018).
A reportagem mostra que senadores (governistas e
oposicionistas) estavam dispersos e pouco empenhados em fazer a avaliação
técnica e política da escolha presidencial, em contraste com o costume
norte-americano de virar a vida do indicado pelo avesso.
A sabatina de Celso de Mello foi apressada. Discursou
durante singelos três minutos porque, referindo-se ao senador Cid Sabóia de
Carvalho, “o tempo angustia o presidente”. Uma hora e meia depois, o nome
estaria aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania: “17 votos
contra nenhum”.
Em seguida, seria apreciada a indicação de Aristides
Junqueira a procurador-geral da República: a sabatina durou exatos 15 minutos.
Mello, à época chamado de José Celso, número dois na
Consultoria-Geral da República —chefiada pelo controvertido jurista Saulo
Ramos—, não é perguntado sobre as suas funções no governo. Destinatário de
bajulação e salamaleques, o candidato nomeado por José Sarney não é incomodado
com questões políticas, mas transmite sinais do grande juiz que poderia ser.
Espontaneamente se declara contra a edição de norma penal
por medida provisória, um pecado praticado pelo governo Sarney, provavelmente
concebido na própria Consultoria-Geral.
Sustenta que as Forças Armadas devem estar rigorosamente
subordinadas ao poder civil. A maioria dos ministros do STF (6 de 11) era
oriunda do regime militar. Três décadas depois, ele se despede do STF em meio a
cenas de um triunfo militarista extemporâneo que lhe causa repulsa e apreensão.
Entre erros e acertos, Celso de Mello deixa uma inestimável
coleção de precedentes sobre liberdade de expressão, devido processo legal e
direitos humanos. O voto condutor do indeferimento da extradição de cidadão
chinês em 1996, por falta de garantia de que a República Popular da China
respeitaria compromisso de não executar o condenado, por exemplo, ecoa em 2019,
quando, pelo mesmo fundamento, foi indeferida a extradição de pelo menos mais
três chineses reclamados pelo principal parceiro comercial do Brasil.
Cercado de cretinos e de pilantras (é que Narciso acha feio
o que não é espelho), o presidente da República tem oportunidade de indicar o
sucessor do decano, que tem funcionado como obstáculo à sua insanidade, e
plantar mais uma semente obscurantista.
Ministros do Supremo aprendem (ou deveriam aprender) que
sentimento de gratidão ao governante que o escolhe logo se dissipa.
Se o novo
ministro se notabilizar pela defesa do ideário bolsonarista, restará
ao Brasil torcer para que ele não seja longevo como Celso de Mello.
Luís Francisco Carvalho Filho
Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos (2001-2004).
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