Ganhar confiança de
credores e investidores é hoje um dos principais desafios para o governo,
forçado a administrar uma dívida crescente numa fase de enormes dificuldades.
Antes da pandemia o Brasil já era o campeão do endividamento público entre os
emergentes. Forçado a buscar mais empréstimos neste ano, o Tesouro aceitou
prazos menores para evitar juros mais altos. Com grandes vencimentos no início
de 2021, o Executivo terá de correr atrás de dinheiro e ao mesmo tempo tentar
alongar os prazos e conter os custos. A resposta do mercado vai depender de um
claro compromisso com a arrumação das finanças oficiais, com um programa de
ajuste bem definido.
Há muito ruído
atrapalhando, admitiu o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, em evento
organizado pelo Estado/Broadcast em parceria com a
agência Austin Rating. Emitir papéis longos fica difícil quando há dúvidas
sobre a manutenção do teto de gastos e outros aspectos da administração fiscal.
Uma clara agenda de reformas, com destaque para a tributária, é essencial para
a redução da insegurança, acrescentou.
Mas a principal
fonte de ruído é o próprio Executivo. Seria estranho se um funcionário de alto
escalão, como o secretário do Tesouro, falasse publicamente sobre isso. Os
fatos, no entanto, são claros e perceptíveis no dia a dia.
O mercado reage
rotineiramente às desavenças entre facções ministeriais. Ninguém desconhece os
conflitos entre a equipe econômica e a chamada ala política. Enquanto o pessoal
do Ministério da Economia insiste em defender o teto de gastos e padrões de
austeridade, outro grupo defende ações expansionistas, confundidas, impropriamente,
com desenvolvimentismo.
Desacordos entre
ministros podem ocorrer em qualquer governo. Já ocorreram no Brasil e têm sido
observados em outros países. Mas há normalmente um líder – presidente ou
primeiro-ministro – mediando e arbitrando as diferenças. Em Brasília esse tipo
de intervenção ocorre ocasionalmente.
Em situações muito
delicadas o presidente apoia o ministro da Economia, mas sem se comprometer de
forma permanente com a disciplina fiscal. Mais empenhado em cuidar de
interesses familiares e pessoais, com destaque para a reeleição, o presidente
pouco se ocupa, de fato, com funções de governo. Suas propostas mais notórias,
como a criação de um programa de transferência de renda para os mais pobres,
são normalmente de caráter eleitoral.
Não só investidores
e analistas do mercado mostram insegurança quanto ao futuro das contas
públicas. Representantes de grandes agências de classificação de risco têm
chamado a atenção das autoridades para a importância de um firme compromisso
com a responsabilidade fiscal. No dia a dia do mercado, a inquietação se
reflete nas variações dos juros e na instabilidade cambial.
Cotações muitas
vezes próximas de R$ 5,60 por dólar podem ser mais perigosas que os disparos
frequentes de um alarme. Pressionam custos, dificultam o planejamento
empresarial e acabam inflando, como nos últimos meses, os preços ao consumidor.
Além de causar insegurança financeira e instabilidade cambial, o desgoverno
chefiado pelo presidente Bolsonaro tem sido fator de alta da inflação.
O presidente parece
pouco interessado nos efeitos de uma dívida pública muito mais pesada que as de
outros emergentes. A dívida bruta brasileira deve passar de 89,5% do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2019 para 101,4% neste ano e 102,8% em 2021, de acordo
com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelo mesmo critério, a dívida média
dos países emergentes e de renda média deve subir de 52,6% do PIB no ano
passado para 62,2% neste ano e 65% no próximo. Em 2025 a dívida brasileira
poderá estar em 104,4%. A dos emergentes e de renda média, em 71,1%.
Em muitos países
avançados a relação dívida/PIB é maior que no Brasil. Mas o custo dessa dívida
é geralmente menor e as políticas, mais confiáveis. O caso brasileiro é
agravado pela necessidade de combinar controle fiscal com retomada do
crescimento. Já seria difícil mesmo sem a campanha fora de hora pela reeleição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário