domingo, 25 de outubro de 2020

LIVRO EM BRANCO

Editorial Folha de S.Paulo

Não houve nenhuma surpresa na aprovação do nome do juiz Kassio Nunes Marques para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria de Celso de Mello.

Primeiro indicado por Jair Bolsonaro para a corte, ele obteve o apoio de maioria confortável no Senado. Contaram-se 57 votos a favor da nomeação e apenas 10 contrários, registrada uma abstenção.

Encarregados de examinar a biografia e as qualificações dos nomeados para o Supremo, os senadores falharam na missão. A maioria preferiu adular o magistrado a inquiri-lo com o rigor necessário para aferir sua aptidão.

Aliados de Bolsonaro no centrão se revezaram para enaltecer os predicados de Kassio na audiência. Integrantes de partidos que fazem oposição ao governo também o trataram com condescendência.

Como sempre acontece nessas ocasiões, o juiz se esquivou de questionamentos sobre temas em discussão no Supremo, evitando se manifestar sobre assuntos que poderá julgar quando vestir a toga.

Deixou de lado a inibição só uma vez, ao se manifestar contra mudanças na anacrônica legislação que criminaliza o aborto no Brasil —preferindo alinhar-se com o ponto de vista que é também o do presidente e de seus seguidores.

Sentiu-se à vontade para contornar as raras perguntas que lhe foram feitas sobre as inconsistências no seu currículo acadêmico. Driblou até indagações sobre o trabalho de sua mulher, funcionária de um gabinete do Senado, dizendo ignorar as atividades que ela exerce.

O magistrado tampouco iluminou as circunstâncias que levaram a sua escolha por Bolsonaro, ao final de um processo opaco em que congressistas e até integrantes do tribunal se mobilizaram em seu favor.

Kassio definiu-se como juiz garantista, preocupado com os direitos inscritos na Constituição, e consequencialista, que procura avaliar os efeitos práticos de suas decisões e não apenas a letra da lei.

Defendeu corretamente a autocontenção do STF, argumentando que o protagonismo na definição de políticas públicas cabe ao Executivo e ao Legislativo —e que não compete ao Judiciário responder a pressões da opinião pública.

Numa instituição cuja autoridade tem sido minada pelo comportamento individualista de seus membros, que frequentemente tomam decisões controversas sem submetê-las ao crivo dos colegas no plenário, a moderação de Kassio pode parecer um respiro.

Dada a insuficiência dos esclarecimentos prestados na sabatina no Senado, entretanto, será preciso esperar mais tempo para saber se o discurso do novo ministro é para valer ou se ele estava apenas retribuindo a deferência dos que o ajudaram a chegar ao tribunal.

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