Há cerca de 90 dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
prometeu “fazer quatro grandes privatizações nos próximos 30, 60, 90 dias”. Não
se tem notícia de que alguma estatal tenha sido vendida de lá para cá. Ao
contrário: o presidente Jair Bolsonaro declarou na terça-feira passada que “não
pode queimar estatais, tem que vender por uma finalidade”.
A tal “finalidade” poderia ser a racionalização das contas
públicas e o fortalecimento do Estado para que este seja atuante onde se faz
necessário, seja no fomento ao desenvolvimento, seja na prestação de serviços
essenciais, seja amparando os desassistidos e igualando oportunidades.
A demanda urgente dos brasileiros que perderam renda na
pandemia de covid-19 certamente não pode esperar pela venda de estatais ou
pelas reformas, mas um robusto programa de privatizações, junto com um pacote
de mudanças na estrutura administrativa e fiscal do Estado, seria muito bem
recebido pelos investidores privados, restabelecendo a confiança e estimulando
a economia.
Bolsonaro obviamente não quer nada disso, porque sempre foi
contra as privatizações, porque não gosta de reformas e, sobretudo, porque
governar dá trabalho e causa desgaste político. O presidente, que só pensa em
reeleição, prefere o conforto da demagogia. “É dinheiro na veia do povo”, disse
Paulo Guedes, outrora “superministro” e hoje mero despachante do populismo
bolsonarista, referindo-se ao programa de transferência de renda que Bolsonaro
quer criar para multiplicar sua clientela eleitoral.
Para esse fim, Bolsonaro cercou-se de quem entende do
riscado: entregou-se de corpo e alma ao Centrão, que vai se assenhoreando da
articulação do governo no Congresso. Depois de ter conquistado a liderança do
governo na Câmara, o bloco de partidos notórios pelo fisiologismo e pela
demagogia agora se adornou das vice-lideranças, tomando o lugar de deputados
“ideológicos” que seguiram lealmente Bolsonaro e acreditavam na balela de que o
presidente do baixo clero encarnava a “nova política”.
No novo programa de governo de Bolsonaro, muito diferente do
vendido na campanha, a reforma administrativa é apenas um arremedo para cumprir
tabela e mal se fala de reforma tributária, praticamente enterrada neste ano.
Em lugar disso, o presidente flerta descaradamente com a irresponsabilidade
fiscal, com direito a pedaladas em precatórios e drible no teto de gastos, para
injetar “dinheiro na veia do povo”.
Em meio ao justificado espanto causado pelas notícias de que
o governo planeja transformar dívida em receita para bancar o tal “dinheiro na
veia”, Bolsonaro preferiu queixar-se dos críticos e pediu a eles “sugestões”.
Pois bem: especialistas reunidos pelo Estado para dar as tais sugestões foram
praticamente unânimes ao dizer que programas de transferência de renda dependem
da reformulação dos atuais programas sociais, corte de gastos, reformas e
privatizações. Tudo o que Bolsonaro já vetou ou vem sabotando.
Com ar grave, o presidente disse a apoiadores que, se
ninguém lhe apresentar “uma solução racional”, vai “tomar aquela decisão que o
militar toma: pior do que uma decisão mal tomada é uma indecisão”. E ameaçou:
“Eu não vou ficar indeciso. O tempo está correndo, está o tique-taque correndo,
está chegando janeiro de 2021, precisamos de alternativa para 20 milhões de
pessoas que não vão ter o que comer a partir de janeiro do ano que vem”.
Nesses termos, a tal “decisão” de Bolsonaro só pode ser uma:
mandar às favas os escrúpulos de consciência fiscal. Mansueto Almeida,
ex-secretário do Tesouro do governo Bolsonaro, explicou didaticamente ao Estado
quais seriam as consequências de “sair do trilho” e “adotar medidas
populistas”: “Os juros vão aumentar, a inflação vai voltar e o investimento vai
cair”. Para que isso não ocorra, Mansueto lembrou o óbvio: “A sociedade civil
tem de pressionar o governo a seguir uma trajetória que não seja populista”,
pois do contrário “o custo será muito alto” – e quem irá pagá-lo em grande
parte serão os pobres e os paupérrimos de Bolsonaro.
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