sexta-feira, 23 de outubro de 2020

QUANDO A LEVIANDADE MATA

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo

Jair Bolsonaro é o presidente. Foi eleito democraticamente. Mas não tem condição moral nem intelectual de exercer o cargo, do que dá prova a leviandade com que trata a questão da vacina.

Não sei se a Coronavac, a “vacina chinesa do Doria”, no linguajar presidencial, vai funcionar bem. Ninguém sabe. Mas, na atual conjuntura, é um dos fármacos mais promissores em fase final de testes. Engajar-se num programa de compra e produção antecipadas é uma opção de risco, mas, se o imunizante tiver sucesso, fazê-lo nos dará um ou dois meses de dianteira no processo de vacinação, o que pode salvar muitas vidas e reduzir o estrago econômico da pandemia.

Vale observar que o governo fez exatamente a mesma aposta no caso da vacina da Universidade de Oxford, o que desmonta por inteiro a afirmação de Bolsonaro de que não se pode avançar na compra de vacinas até que elas tenham sido licenciadas pelos órgãos competentes.

Ao que tudo indica, o chilique presidencial não tem motivação técnica, mas é fruto de um cálculo político míope e mesquinho, que procura agradar à base mais amalucada do bolsonarismo, que tem alergia a coisas feitas por “chineses comunistas”, ao mesmo tempo em que se recusa a fazer qualquer gesto que possa beneficiar um rival, no caso, Doria.

Num país um pouco mais sério, um líder que tomasse decisões de vida e morte com base em comentários de simpatizantes em redes sociais e não em justificativas racionais já teria sido democraticamente defenestrado pelo impeachment. Mas estamos no Brasil.

Meu consolo é que a posição dos bolsonaristas é pior que a minha. Quem se opõe ao presidente apenas perdeu uma eleição, mas os que o apoiaram foram traídos. O candidato que falava em acabar com a corrupção, varrer o sistema político carcomido e impor uma agenda ultraliberal se tornou um protetor de corruptos, que come na mão do centrão e está prestes a furar o teto.

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