Sabe-se que Jair
Bolsonaro dorme mal. No ano passado, ele revelou que penava 89 episódios de
apneia por hora: “Detenho o recorde brasileiro.” Sabe-se também que instalou
uma escrivaninha no espaçoso guarda-roupas do Alvorada e passa o tempo ligado
nas redes sociais de sua estima.
Às 5h45m da
madrugada de quarta-feira, o presidente continuava diante de seu computador
quando respondeu a uma mensagem com um grito de guerra: “O povo brasileiro não
será cobaia de ninguém. (…) Diante do exposto, minha decisão é a de não
adquirir a vacina.”
Estava aberta uma
ridícula Guerra da Vacina.
Bolsonaro sabia que
o Ministério da Saúde havia oficializado a sua intenção de comprar 46 milhões
de doses da CoronaVac, que, nas suas palavras, transformou-se na “vacina
chinesa do João Doria”. Desde que o vírus chegou ao Brasil, matando mais de 150
mil pessoas, Bolsonaro militou no exercício ilegal da Medicina com sua
cloroquina.
Fritou dois
ministros da Saúde e, com seu surto matutino, começou a refogar o terceiro. Nos
seus gritos de guerra, anunciou que a “vacina não será comprada” porque “não
abro mão de minha autoridade”. Parolagem. Horas depois, a Agência de Vigilância
Sanitária (detentora da autoridade) informou que, como acontece com qualquer
medicamento, autorizará a compra do fármaco que cumpra os requisitos
científicos.
No rescaldo do
surto, 11 palavras do general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz
explicam a barulheira: “Falta de capacidade e organização interna” e “um nível
de mediocridade extrema”.
Santos Cruz foi um
dos 13 azes militares levados para o governo pelo capitão Bolsonaro. Os outros
dois foram Hamilton Mourão e Augusto Heleno. Ele era o único a não ter se
envolvido em episódios de indisciplina. Durou seis meses, dois dos quais em
processo de fritura. Desde que saiu do governo, Santos Cruz tem sido um crítico
raro, porém, pontual. Se quisesse, teria sido candidato à Prefeitura do Rio,
mas afastou-se do cálice.
Quem entende o mundo
dos generais garante que Santos Cruz é ouvido.
Uma grande
História dos EUA
Está nas livrarias
“Estas verdades — História da formação dos Estados Unidos”, da professora Jill
Lepore, de Harvard. Com 866 páginas e quase dois quilos, vai de Cristóvão
Colombo a Donald Trump. Lepore gosta da vida, de História e dos Estados Unidos.
Isso faz com que sua produção tenha um discreto bom humor, levando-a a tratar
de tudo, inclusive cinema e esporte.
Os personagens de
“Estas Verdades” têm carne e osso. Ela olha para os magnatas, os poderosos, os
negros, os índios e as mulheres. Em 1760, o fazendeiro George Washington
consertou sua boca usando dentes de escravizados. (Pelo menos 43 deles fugiram
e um combateu ao lado dos ingleses. Da fazenda de Thomas Jefferson, fugiram
13). O futuro presidente acasalava-se com a escrava Sally Hemings, meia-irmã de
sua falecida mulher. Na conta do erudito amante e senhor, ela só tinha um
oitavo de sangue negro.
No século XVIII, as
colônias americanas tiveram duas revoluções, uma contra o domínio inglês, outra
contra a escravatura. Esta levou quase um século para prevalecer. O que levou
os colonos a rebelar não foram apenas os impostos e a repressão, mas sobretudo
a oferta da liberdade para os escravos.
Em 1776, um grupo
de “subversivos”, segundo o filósofo inglês Jeremy Bentham, criou um estado
“absurdo e visionário”. Em 1801, a Suprema Corte se reunia na pensão em que
viviam seus juízes.
Lepore diz coisas
assim: “A Inglaterra manteve-se no Caribe e desistiu da América.” Ou ainda,
tratando da Guerra Civil: “O Sul perdeu a guerra, mas ganhou a paz.”
A grande nação
americana foi construída também pelos movimentos dos trabalhadores, dos
imigrantes e dos negros. “Estas verdades” vai mostrando essa história aos
poucos, com um elegante domínio dos fatos: em 1776, quando foi proclamada a
independência dos Estados Unidos, a temperatura na cidade de Philadelphia era
de 11 graus; às vésperas da chegada de Donald Trump, era de 15.
Para Bill Gates,
“Estas Verdades” é o “relato mais honesto e mais bem escrito que já li sobre a
História dos Estados Unidos”. Jill Lepore conta uma grande aventura e termina
com certa ansiedade: “Uma nação não pode escolher seu passado, só pode escolher
seu futuro”.
Recordar é viver
Deu no “The New
York Times”: pelo menos 545 crianças cujas famílias tentavam entrar ilegalmente
nos Estados Unidos estão em abrigos, sem que seus pais tenham sido localizados.
No debate de quinta-feira, Donald Trump fugiu da pergunta durante vários
minutos.
Essas coisas acabam
passando despercebidas enquanto a vida segue, naquilo que parece ser uma rotina
maior que pequenos dramas.
No dia 12 de
dezembro de 1938, chegou a Londres um navio que transportava 200 crianças
judias alemãs, entregues pelos pais para que fossem criadas por famílias
inglesas. Até o fim da guerra foram mais de 10 mil. O filho de uma delas,
Michael Moritz, tornou-se um milionário e doou 15 milhões de dólares para
programas de ajuda aos pobres da Universidade de Oxford.
Nas semanas em que
as crianças judias desceram em Londres, Josef Stalin assinou 30 listas com os
nomes de cinco mil pessoas que deviam ser executadas e foi ao cinema do Kremlin
ver uma comédia.
No Rio, Vargas
posou para o escultor Leão Veloso e foi ao cinema ver “Corpo e alma de uma
raça”.
Passou o tempo e a
história de Nicholas Winton, o inglês que organizou o resgate está na rede, em
vários vídeos. Quem quiser, poderá cultivar suas emoções por alguns minutos. O
título de um deles é “Nicholas Winton, o herói anônimo da Segunda Guerra”.
Amy e Kassio
O ministro Gilmar
Mendes não gosta que se façam paralelos entre a Corte Suprema dos Estados
Unidos e o Supremo Tribunal Federal.
O que aconteceria
com a escolha da juíza Amy Coney Barrett, indicada para o tribunal, se dissesse
aos senadores americanos que seu marido trabalha lá, mas não sabe exatamente o
que ele faz? E se o senador em cujo gabinete o cidadão está lotado, também não
souber?
O desembargador
Kássio Nunes Marques não soube dizer aos senadores o que sua mulher faz no
gabinete do senador Elmano Férrer. Nem ele.
Nunes Marques
explicou aos doutores que o custo de vida em Brasília é muito caro. Treze
milhões de desempregados encaram o custo de vida sem salário algum, mas faça-se
justiça: ela é economista e não advoga nas Cortes de Brasília.
Jesse Barrett, o
marido de Amy, é advogado criminalista e trabalha numa banca em Indiana.
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