O esperada derrota de Donald Trump não é apenas um a
sinalização para o mundo. É um duro recado para Jair Bolsonaro. O Brasil é um
dos países que sofrerão o maior impacto com a nova política americana. O
brasileiro alimentou o problema que agora pode engolfá-lo desde sua campanha
eleitoral, quando enxergou no americano uma inspiração. Tentou legitimar sua
gestão colando no fenômeno Trump. Copiou o americano de forma primária e
enviesada, por estratégia eleitoral e ideológica, e contra os interesses do
País. O embuste terá consequências duradouras. Bolsonaro criticou os organismos
multilaterais como a Organização Mundial de Saúde e a Organização Mundial de
Comércio, atacou a China, nosso maior parceiro comercial, e afastou-se dos
líderes europeus. Até o slogan “menos Brasília, e mais Brasil” foi uma imitação
do americano, com a óbvia incongruência de que o brasileiro fez toda a sua
carreira defendendo os interesses corporativistas e os privilégios de
servidores públicos, no sentido oposto ao que o republicano propunha em seu
país. A defesa intransigente da “liberdade” trombeteada pelo brasileiro chega a
ser risível, dado que defende torturadores e elogia a ditadura que até os
militares desejam deixar para trás. Sua defesa armamentista num país com altos
índices de violência, emulando a segunda emenda à Constituição dos EUA, além de
deslocada, tem efeitos nocivos para a população. Como fez Trump, Bolsonaro
ensaiou sair do Acordo de Paris. Mas sem a esperteza de Trump, que age assim
para patrocinar a indústria petrolífera no seu país. Aqui, Bolsonaro incentiva
grileiros e garimpeiros ilegais e desmonta na prática o arcabouço de proteção
ambiental contra o próprio interesse do agronegócio, que é prejudicado nas
exportações pela péssima fama que o Brasil adquiriu junto aos consumidores
internacionais. Desde que o governo passou a acobertar os crimes contra o meio
ambiente, jogou o Brasil na contramão do esforço global na área e afugentou os
grandes investidores. O meio ambiente é justamente a área em que o Brasil será
mais prejudicado com um governo democrata nos EUA.
As eleições americanas representaram uma ótima oportunidade
para o governo reavaliar sua política externa. Mas, ao invés de fazer um
balanço pragmático, Bolsonaro dobrou a aposta ideológica. Diante da chance real
de Trump perder seu acento na Casa Branca, tornou a exercer sua antidiplomacia.
Voltou a apoiar o colega americano. “Estou confiante com a reeleição de Donald
Trump, porque será boa para as relações comerciais e diplomáticas com o
Brasil”, afirmou, negligenciando o risco de colocar o Brasil na desconfortável
situação de ofender o novo presidente dos EUA. Não foi um acidente. Repetiu o
que já tinha feito nas últimas eleições da Argentina, quando afrontou
abertamente o candidato peronista, o que congelou a relação com o maior
parceiro brasileiro da América Latina. A impostura continuou no próprio dia da
eleição. Afirmou que o Brasil enfrenta uma batalha “contra o domínio
estrangeiro da Amazônia”. A desfaçatez é um mal familiar. Eduardo Bolsonaro,
que é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, compartilhou
mensagem que acusou, sem provas, a existência de fraude nos votos enviados pelo
correio no pleito americano.
A torcida por Trump deixou Bolsonaro falando sozinho, na
duvidosa companhia do primeiro-ministro da Eslovênia (terra de Melania Trump),
que felicitou o americano “por sua vitória”. Nenhum chefe de Estado embarcou na
tentativa do presidente americano de se antecipar ao resultado em seu país.
Agiu por mero interesse pessoal. É uma relação de afinidades privadas, que não
trouxe frutos concretos para o País. Os EUA adotaram medidas unilaterais
protecionistas com produtos como alumínio, aço e etanol sem nenhuma
contrapartida.
Meio ambiente
Para Bolsonaro, perder o grande aliado internacional significa ter esvaziadas suas principais bandeiras. Isso amplia ainda mais o isolamento internacional, que só cresceu com os problemas criados pelo mandatário com França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, mundo árabe e China. O presidente já tinha se afastado dos grandes líderes europeus — Angela Merkel e Emmanuel Macron — ao insultá-los por causa da questão ambiental. Perder o apoio da maior potência mundial deveria acender o sinal de alerta para qualquer diplomacia profissional que sabe que os países têm interesses, não amizades. Mas esse não é o caso da ala ideológica bolsonarista. Em recente evento público, o chanceler Ernesto Araújo voltou às suas obsessões anacrônicas contra o “marxismo” e o “globalismo” e disse: “O Brasil fala em liberdade através do mundo, se isso nos faz ser um pária internacional, então que sejamos um pária”. É uma citação constrangedora. A diplomacia foi criada para incentivar a aprovação, a admiração e o prestígio de uma nação. Que o chefe do Itamaraty se orgulhe de seu status de pária é o maior símbolo da antidiplomacia bolsonarista.
As consequências da antipolítica externa do governo brasileiro podem ser
danosas. Bolsonaro criticou Joe Biden pela sua defesa da Amazônia. No primeiro
debate da corrida americana, o democrata citou especificamente o Brasil e
propôs um fundo de US$ 20 bilhões para proteger a floresta. Ameaçou aplicar
retaliações comerciais se o Brasil não mudar sua política ambiental. “O
presidente Bolsonaro deve saber que se o Brasil deixar de ser um guardião
responsável da Floresta Amazônica, minha administração reunirá o mundo para
garantir que o meio ambiente seja protegido”, disse em outra ocasião. O
mandatário brasileiro não ouviu. Arriscou-se a perder sua única referência internacional
e, com isso, precisará rever a política devastadora no meio ambiente e
irresponsável na saúde.
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