Vinte e quatro horas passaram-se, e as eleições para a
Presidência dos Estados Unidos continuam no rumo de uma crise institucional,
porque Donald Trump não quer sair da Casa Branca como derrotado e, por isso,
constrói uma narrativa de que a votação de Joe Biden foi fraudada. Desde ontem,
a contagem dos votos estava 264 a 214, faltando apenas seis delegados para o
desfecho já previsível — a vitória de Biden —, mas a chicana republicana, além
de atrasar o resultado final e acirrar a tensão social, pode resultar na
sobrevivência do trumpismo como robusta força de oposição, negacionista, ainda
mais antidemocrática e reacionária. Não devemos subestimar esse fato aqui no
Brasil, porque isso se reproduzirá como discurso da ala ideológica do governo
Bolsonaro.
Amplos setores da sociedade e uma parte significativa do
governo torcem por Biden, na esperança de que isso signifique uma mudança de
rota na nossa diplomacia e na política ambiental. “O homem é o homem e a sua
circunstância”, dizia o filósofo espanhol José Ortega e Gasset, 100 anos atrás.
Bolsonaro precisa cair na real de que a situação na economia é perigosa e tanto
a política externa quanto a ambiental complicam desnecessariamente a vida de
nossos agentes econômicos. O Brasil está em apuros financeiros, a conta da
pandemia do novo coronavírus está chegando a passos de ganso. O governo está
desorientado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, parece enveredar pelo
“quanto pior, melhor”, para prorrogar a “economia de guerra” e fugir à
responsabilidade do ajuste nas contas públicas.
Ontem, o Tesouro teve dificuldades para rolar a dívida
pública, nos relata Vicente Nunes, no Correio Braziliense. Da oferta de até 750
mil títulos indexados à taxa Selic, as chamadas LFTs, com vencimento em 2022 e
em 2027, foram comprados 433,5 mil, ou seja, 49%. O Tesouro arrecadou R$ 4,7
bilhões, menos do que na semana passada, quando vendeu R$ 5,19 milhões em
títulos. A taxa Selic (2% ao ano) está abaixo da inflação, que já passa dos 3%.
Para rolar a dívida pública, outra alternativa está sendo
vender títulos pré-fixados, as chamadas LTNs, com taxas bem acima da Selic.
Esses títulos são de curtíssimos prazo, com vencimentos em 2021, 2022 e 2024.
Ontem, 8 milhões de títulos expirando em 2024 foram vendidos, com taxa de juros
6,39% ao ano, para o governo arrecadar R$ 6,6 bilhões. Mais R$ 1,8 bilhão foram
arrecadados com a venda desses títulos com vencimento em 2022. Um terceiro
lote, com vencimento no próximo ano, de 5 milhões de unidades, foi vendido que
integralmente, arrecadando R$ 4,9 bilhões para os cofres do Tesouro.
Populismo
O problema é que o governo está pagando uma taxa de 7,39% ao ano para
títulos pré-fixados com vencimento em 2021. É um excelente negócio para quem
tem dinheiro para investir, mas péssimo para um governo que não tem como pagar
suas contas sem se endividar ainda mais, e terá de resgatar esses títulos no
próximo ano. É onde mora o perigo, porque os sinais de afrouxamento fiscal vêm
de todo lugar. Na quarta-feira, por exemplo, o Congresso derrubou o veto de
Bolsonaro às desonerações trabalhistas, que foram prorrogadas por mais um ano,
com uma impacto na queda de arrecadação de R$ 4,9 bilhões.
No lusco-fusco das eleições norte-americanas, foi aprovada
pela Câmara uma garfada de R$ 1,4 bilhão dos recursos da Educação básica para
obras de infraestrutura, uma reivindicação dos políticos do Centrão. Farinha
pouca, meu pirão primeiro: tiraram do futuro das crianças para as obras
indicadas pelas legendas que apoiam o governo, a cargo dos ministérios do
Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura. Não é à toa que Bolsonaro mantém
seu périplo pelo Nordeste. Em vez de avançar nas reformas administrativa e
tributária, caminha-se para romper o teto de gastos e implantar, a qualquer
preço, o projeto Renda Cidadã. A discussão sobre o Orçamento da União, em que o
pacto populista pode ser consolidado, é empurrada com a barriga, na surdina,
para o recesso parlamentar.
Há sinais de recuperação da indústria, muito positivos, que
poderiam apontar noutra direção, se fossem acompanhados de uma proposta efetiva
de retomada da economia. Entretanto, o governo não tem prioridades, improvisa.
A política de Bolsonaro é feita sem estratégia, na base da transa com objetivos
eleitorais imediatos. Nesse aspecto, as eleições municipais estão mostrando um
cenário em que os eleitores estão sendo bem mais pragmáticos e objetivos, estão
refratários a aventuras e apostam nos políticos com propostas e bons serviços
prestados.
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