Na eleição presidencial de 2000, acompanhei de Washington o
impasse na apuração dos votos na Flórida, que gerou pedido de George Bush à
Suprema Corte para suspender a contagem dos votos. Depois de um mês de
incertezas, o Judiciário, por um voto, decidiu suspender a apuração e, com
isso, o candidato republicano venceu a eleição naquele Estado e tornou-se
presidente dos EUA.
A situação hoje é diferente. O recurso que Donald Trump está
interpondo à Suprema Corte diz respeito ao resultado da apuração em alguns
Estados (Pensilvânia, Geórgia, Nevada e Michigan) e o que está sendo pedido é a
recontagem ou a anulação de votos. Como a Suprema Corte decidiu recentemente
que todos os votos devem ser contados, dificilmente a judicialização favorecerá
o atual presidente.
Trump tem repetidamente colocado em dúvida o sistema
eleitoral, prevendo fraudes e contestando o sistema de votos pelo correio, sem
nenhuma evidência. Na noite do dia 3, à frente na maioria dos Estados, afirmou
que havia vencido, mas que havia uma manobra para “roubar” a eleição e dar a
vitória para o candidato democrata.
O resultado da apuração mostrou o alto grau de divisão
existente hoje nos EUA. A pequena margem entre os dois candidatos encoraja a
alegação de Trump. Duvidar da legitimidade eleitoral pode abalar a confiança
pública no sistema, embora tenham sido raros os casos de ilícitos comprovados
ao longo da história política dos EUA e nenhum deles afetou o resultado final.
Apesar de o sistema eleitoral americano não dispor de uma
Justiça Eleitoral nacional, mas estadual, é constrangedor ver um presidente, no
exercício de suas funções, questionar a lisura das apurações com acusações sem
provas. Trata-se de um mau exemplo, vindo de um país que tem a pretensão de ser
um modelo democrático para o mundo. Essa atitude representa um sério problema
para o funcionamento do sistema eleitoral no futuro, pelas incertezas que
desperta, mas não chega a ameaçar nem a democracia nem a credibilidade do país.
A repetição desse recurso, em prazo tão curto, começa a
despertar discussões sobre a necessidade de revisitar o sistema eleitoral.
Deverão aumentar as críticas à eleição indireta por um colégio eleitoral, com
regras que variam de Estado a Estado, e a apuração manual, longe das urnas
eletrônicas. As mudanças, contudo, serão difíceis, sobretudo se, com Joe Biden,
o Senado continuar com maioria republicana.
A Suprema Corte também poderá começar a ser visada,
sobretudo em relação à forma como os juízes são escolhidos. Como no Brasil, a
escolha é feita por indicação do presidente, com forte influência ideológica.
Sistema eleitoral e Suprema Corte passarão a ser temas de discussão no cenário
político americano e poderão estimular esse debate também no Brasil.
*Foi embaixador do Brasil nos EUA
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