É cada vez mais comum ouvir críticas contra a quantidade de
decisões liminares proferidas individualmente por ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). A natureza de órgão colegiado seria incongruente com as decisões
monocráticas, encaradas como usurpação individual de um poder concedido ao
colegiado. Segundo essa ótica, as decisões monocráticas dos membros do STF
afrontariam, em alguma medida, a própria Constituição.
A despeito da natureza colegial do Supremo, é preciso
reconhecer, no entanto, que decisões liminares não são incompatíveis com a
Constituição. Na verdade, o poder geral de cautela concedido a um magistrado,
autorizando-o a proferir decisões liminares, vem realizar precisamente o
direito constitucional a um processo efetivo. Em muitas situações, a espera
pela decisão definitiva do órgão colegiado poderia ocasionar danos e prejuízos
irreversíveis. Sem a agilidade das medidas cautelares, o Judiciário
dificilmente poderia cumprir, de forma efetiva, sua missão de fazer valer o
Direito.
Por isso, a legislação concede ao magistrado, seja qual for
sua esfera de competência, o poder geral de cautela. O Código de Processo Civil
estabelece, por exemplo, que “a tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo” (art. 300). Assim, a concessão de uma
liminar, quando estão presentes os requisitos do fumus boni iuris (a
fumaça do bom direito) e o periculum in mora (o perigo na
demora), não representa nenhuma usurpação de poder. Trata-se de estrito e
diligente cumprimento da função jurisdicional, protegendo direitos e evitando
danos.
O que é incompatível com a colegialidade do Supremo – e, a
bem da verdade, com a própria natureza das decisões liminares – é a permanência
dessas decisões ao longo do tempo, sem a devida revisão pelo órgão colegiado.
São medidas de urgência e, assim, devem ser tratadas. Se a efetividade da
Justiça exige que, às vezes, se tome uma decisão cautelar monocrática, a mesma
efetividade deve levar a que o competente órgão colegiado revise essa decisão.
Segundo noticiou o Estado, há 65 liminares
concedidas por ministros do Supremo que estão pendentes de julgamento pelo
plenário. Desse total, dez decisões estão à espera de análise pelo colegiado há
mais de cinco anos. Há, por exemplo, uma decisão liminar de 2013, proferida
pela ministra Cármen Lúcia, suspendendo as regras de distribuição dos royalties
do petróleo aprovadas pelo Congresso. A decisão atendeu a um pedido do governo
do Rio de Janeiro, que alegou que o ato do Legislativo federal causaria, apenas
naquele ano, um prejuízo na ordem de R$ 4 bilhões ao Estado e aos municípios
fluminenses. Previsto para ser julgado em dezembro pelo plenário do STF, o caso
foi recentemente retirado de pauta.
Outro caso de decisão liminar que envolveu cifras
milionárias e produziu efeitos ao longo de anos foi a do ministro Luiz Fux,
estendendo o pagamento de auxílio-moradia a todos os magistrados e
procuradores. A decisão nunca foi apreciada pelo plenário. No final de 2018,
após a aprovação de aumento salarial para o Judiciário, o relator revogou a
liminar concedida em 2014.
A permanência no tempo dessas liminares contraria o próprio
Regimento Interno do Supremo. Por exemplo, como primeira providência nas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), “o relator pedirá informações à
autoridade da qual tiver emanado o ato, bem como ao Congresso Nacional ou à
Assembleia Legislativa, se for o caso” (art. 170). No entanto, se houver pedido
de medida cautelar, o Regimento Interno do STF estabelece que o relator deverá
submeter a medida ao plenário, “e somente após a decisão solicitará as
informações” (§ 1.º do art. 170).
Como se vê, o Regimento Interno já prevê a prioridade e a
urgência da análise das decisões liminares pelo colegiado. Parece oportuno
estabelecer um prazo para essa revisão. A efetividade da Justiça reclama um
tribunal ágil, seja para agir monocraticamente, seja para julgar colegialmente.
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