Doutor em educação pela Universidade de Genebra, mestre em
direito pela Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e
professor da Escola de Direito do Rio da FGV
O episódio do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), pego
com dinheiro escondido na cueca, provocou a indignação moral de todos.
Vivemos, indica o filósofo germano-coreano Byung-Chul Han,
a sociedade da indignação. O que a provoca é a transparência digitalizada e
visível.
Quanto mais transparentes os fatos, mais ativas as mídias
sociais. O que necessariamente não assegura aperfeiçoamento institucional.
Apenas a eventualíssima punição do culpado. Na maioria das vezes, leva apenas à
conformidade indignada. Transparência, indignação e inação são ingredientes da
atual crise política. Aqui e no mundo.
Acresça ao episódio que o filho
do senador é seu suplente. Sai um, entra outro. É assim que deve funcionar
um sistema eleitoral que se acredita e quer ser democrático? Transfere-se votos
para o filho?
O filho não seria eleito se o pai não tivesse sido. Voto não
é herança. Isso é monarquia eleitoral.
Nepotismo,
quando a relação de parentesco favorece a ocupação de cargo público, é uma das
portas giratórias, ou “revolving doors”, que, como dizem os americanos, é
instrumento de nosso patrimonialismo. Fruto da aliança entre autoridades
oficiais, burocracia e setores privados de nossa elite política e econômica.
Essa aliança tem se expandido pelos escaninhos da
administração pública. Está presente nos três Poderes, onde a escolha não é por
mérito e concurso. Mas por indicação e relação. Brasília tem se transformado em
uma grande família. Onde muitas autoridades são parentes. Interconexões. É a
maior das parcerias público-privadas que se tem notícia.
Se é para fazer reforma
administrativa, o desafio não é apenas reduzir quantitativamente o
número de funcionários e o orçamento público. Ou privatizar. Transferir áreas
de exploração econômica para o setor privado em nome de mítica maior eficiência
gerencial.
Mítica eficiência empresarial brasileira, porque
dificilmente passa no teste da competição global. Com devidas exceções,
naturalmente. Nem se concretiza sem benefícios, subsídios, proteções, isenções
do Estado.
A crise da pandemia deixou
o cotidiano da nação mais visível. Inexiste nação sem forte e eficiente
administração pública. Neste momento, o setor privado espera investir e
concorre com os necessitados pelo aumento do déficit público. Bem desabafou o
ministro Paulo Guedes.
Nestas eleições municipais,
vamos ver o patrimonialismo via nepotismo em pleno vapor. Esposas e filhos de
candidatos ficha suja vão se autossubstituir. Pais, irmãos, filhos de
senadores, deputados federais e estaduais em mandato lançando familiares a
vereador.
Veremos ao vivo dinastias eleitorais em formação. Ou
reprodução. A privatização do Estado parece passar pela privatização da
política.
Mesmo assim, aqui e acolá, o Brasil tem avançado contra o
nepotismo. A Constituição proíbe eleição de parentes de presidente da
República, governador e prefeito. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu
parentes de juízes em cargos de confiança e gabinetes. O Supremo ampliou essa
proibição para toda a administração pública direta. Faltou a indireta. Como
falta evitar nepotismo no Legislativo.
Nepotismo é uma cultura administrativa liquefeita.
Expande-se em silêncio. Ocupa vazios e sutilezas legais. Nesta eleição, em
Londrina, no Paraná, o candidato a prefeito Boca
Aberta, do PROS, tem como vice seu próprio filho, Boca Aberta Jr., do mesmo
partido. Isso não é República. É monarquia patrimonialista!
Inexiste o mínimo. Candidatos não são obrigados a declarar
parentescos. Inexiste banco de dados eleitorais específicos para orientar os
eleitores. Talvez fosse boa iniciativa para o ministro Luís Roberto Barroso, do
Tribunal Superior Eleitoral, tornar essa informação obrigatória, pública e
acessível.
E o país menos indignado.
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