Líder do governo contra a Anvisa e Bia Kicis para a CCJ refletem a ‘nova Câmara’ bolsonarista
Alguma dúvida de que está tudo dominado pelo presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo na Câmara? O deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e da “velha política”, apadrinhado de Bolsonaro e do governo, já assumiu a presidência da Casa com festança de 300 pessoas sem máscara, implodindo o bloco oposicionista e atacando o antecessor Rodrigo Maia, enquanto lia discursos sobre “harmonia” e “pacificação”. Parece alguém, não é?
Se há alguma esperança de bom senso é com o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que não fez festança, não atacou ninguém e, lado a lado com Bolsonaro, condenou os “extremismos dos dois lados”, defendeu a “altivez” do Parlamento, se solidarizou com as famílias dos mortos da covid-19 e defendeu igualdade, justiça, democracia, República, federação, reformas e auxílio emergencial. O oposto do que prega Bolsonaro.
Só num ambiente tão contaminado pelo bolsonarismo seria possível o impossível: o PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018, hoje rachado ao meio, indicou a deputada Bia Kicis para a mãe de todas as comissões da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ). A rejeição a Kicis uniu o Supremo, toda a esquerda, parte do centro e até líderes do Centrão. Ou o PSL retira, ou vão lançar uma candidatura independente, como os deputados Lafaiette Andrada (Republicanos-MG) e Margarete Coelho (PP-PI). De direita, sim, mas não extremistas nem investigados pelo STF como Kicis.
Procuradora aposentada no DF, ativista das manifestações golpistas contra o Supremo e o próprio Congresso, divulgadora de fake news absurdas a favor de Trump e Bolsonaro e contra todos os demais, ela é também negacionista na pandemia e desfilou com uma placa replicando a reação de Bolsonaro à marca de 20 mil mortos pela covid-19: “E daí?”. Pacheco condenou extremistas. Alguém pode ser mais extremista do que isso?
E só nesse ambiente é possível uma guerra Barros versus Barra. Ricardo Barros (PP-PR) é o líder do governo na Câmara. Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, contra-almirante e amigo de Bolsonaro. Em entrevista bombástica ao Estadão, o líder ameaçou “enquadrar a Anvisa”, que “está fora da casinha” e “não está nem aí para a pandemia”. Um escândalo. É o líder do governo quem agora lidera as suspeitas que a oposição fazia de ingerência política na Anvisa. Viva-se com um barulho desses.
À coluna, depois da primeira reunião de líderes, Barros disse que seu ataque foi aplaudido por todos: “Só me deram parabéns. Ninguém falou ‘coitadinha da Anvisa’”. Oficialmente, ele quer que a agência, que é técnica, científica, apresse o rito de autorização das vacinas Sputnik V, da Rússia, e Covaxin, da Índia. Mas, como mostra a reportagem do Estadão, o imbróglio vem do governo Temer, quando ele era ministro da Saúde e comprou grande quantidade de um remédio que não foi autorizado pela Anvisa. Vingança?
Também à coluna, Barra Torres disse que o ataque do líder do governo é “estranho, desconcertante, desagradável, numa hora péssima” e, assim, “abriu um rastilho de pólvora na agência, onde todos estão se matando para fazer o melhor e o mais correto para o Brasil”. Convidado para a live de ontem com Bolsonaro, ele disse que “todos têm amigos, mas relação pessoal não interfere no trabalho” e avisou que vai continuar esse trabalho “até a hora que for possível”.
Bolsonaro assume o comando da Câmara e se prepara para aprovar todas as suas “boiadas”, armas, excludente de ilicitude, escola em casa, mineração em área indígena… Mas não pense que vai ficar barato. O Centrão está muito dono de si e, além de falar grosso com a Anvisa e atacar amigos do presidente, vai cobrar a conta em moedas mais objetivas: cargos, verbas, poder.
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