Muito se falou no chavão “criminalização da política” como uma das justificativas para a sucessão de fatos que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Trata-se de uma leitura bastante rasa e condescendente com a roubalheira que os políticos promoveram como se não houvesse amanhã, ao longo de sucessivos mandatos e que, quando foi descoberta, gerou, sim, uma onda de compreensível indignação com a classe política.
Acontece que os políticos não só não perceberam isso a tempo, como menosprezaram os efeitos que isso teria. Cansei de ouvir de próceres de vários partidos, da esquerda à direita, em 2018, as seguintes avaliações:
1) corrupção nunca foi fator decisivo para eleição, bastava ver que Lula tinha sido reeleito em 2006 mesmo com o mensalão;
2) redes sociais nunca elegeram ninguém;
3) Bolsonaro desidrataria quando começasse o horário eleitoral, pois as eleições ainda seriam definidas pela equação clássica: tempo de TV, coligação forte e grana.
Bolsonaro fez um rocambole de tudo isso, regou com leite condensado, e a política, além de criminalizada, ficou humilhada no cantinho do pensamento.
Eis que, mais de dois anos e quase 230 mil mortos pela pandemia depois, os políticos do autoproclamado centro democrático estão marchando docemente para o cadafalso, atrelando seu destino ao de Bolsonaro.
Para o presidente do DEM, ACM Neto, Bolsonaro não é um extremista. Como chamar alguém que desdenha uma pandemia, que frequenta e incentiva atos pelo fechamento do Supremo e do Congresso, que aparelha instituições como a Polícia Federal e o Coaf, que investe por meio de decretos contra a pauta de direitos humanos e de defesa do meio ambiente, que acusa fraude eleitoral sem provas e insinua dois anos antes que isso pode ocorrer se não houver voto impresso?
O que precisará acontecer para que o presidente brasileiro seja reconhecido como o que é: um expoente de uma cepa de políticos de corte neopopulista que usa de expedientes como a propagação de fake news, o enfraquecimento deliberado da imprensa e do sistema de freios e contrapesos da democracia e a difusão do ódio para se manter no poder?
Diante do cálculo de curtíssimo prazo de líderes como ACM Neto, que priorizam a aproximação a um presidente mal avaliado e mal-intencionado à construção de uma alternativa sólida e viável de poder que tire o país dessa encalacrada social, econômica e institucional em que está enfiado, Bolsonaro vai ganhando, justamente dos políticos a quem desprezou em 2018, um passaporte de vida fácil para 2022.
Acontece que, como escrevi aqui na quarta-feira, a vida real caminha de forma bem diferente do minueto desconjuntado da política. Na Bahia de ACM Neto, faltam vacinas, faltam leitos de UTI, falta comida, falta auxílio emergencial e falta base social para o bolsonarismo. Em nome de que, então, o presidente do DEM opta por implodir a própria legenda, depois de um sucesso nas urnas? O tempo vai responder em nome de quê.
Enquanto isso, graças a análises equivocadas como essa, Bolsonaro, o “não extremista”, vai se comportando depois das vitórias congressuais que lhe foram dadas de bandeja como o cunhado folgado que chega na casa do outro e tira o sapato com chulé, coloca o pé em cima do pufe, faz uma piada homofóbica com o sobrinho e assalta a geladeira para acabar com a cerveja.
Quando a classe política resolver reagir, pode ser tarde, como viram os atônitos integrantes do Partido Republicano, que não contiveram o também extremista Donald Trump e o deixaram questionar as eleições, incentivar a invasão do Capitólio e desgastar uma democracia sólida como a americana.
Por aqui, o centro com vocação para cunhado bonachão não aprendeu absolutamente nada nos últimos anos.
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