quinta-feira, 4 de março de 2021

PIB À DERIVA

Editorial Folha de S.Paulo

Em outro contexto, a divulgação da queda de 4,1% do Produto Interno Bruto em 2020 —menos profunda do que se temia há poucos meses e com dados favoráveis no quarto trimestre— poderia ser boa notícia.

Entretanto os resultados já parecem hoje fazer parte de um passado remoto, abafados pelas consequências do desgoverno de Jair Bolsonaro. A pandemia sem controle volta a provocar recordes de mortes diárias, e a baderna econômica ameaça reconduzir o país à recessão e ao drama social.

A lentidão em vacinar e a obstrução do Executivo a uma estratégia sanitária nacional colocam o sistema de saúde em risco de colapso. Assim torna-se inevitável o fechamento de atividades e a volta do auxílio emergencial.

Como não houve planejamento no ano passado, a reinstalação do benefício agora se dá num quadro caótico, em que as necessárias contrapartidas de ajuste nas contas públicas vão sendo deixadas de lado em favor de mais despesas.

Pior, o próprio Planalto ensaia abrir brechas no teto constitucional de gastos, a única referência de longo prazo para o reequilíbrio orçamentário ainda existente.

A perspectiva de disparada da dívida pública contamina os juros e o câmbio, num círculo vicioso que eleva a inflação e vai solapando as expectativas de retomada. Avizinham-se altas da taxa do Banco Central e fogem os capitais.

Até para objetivos que povoam o minúsculo horizonte mental de Bolsonaro, como reduzir o preço do diesel, a conduta do governo equivale a um tiro no pé. Num mundo em que o preço do petróleo sobe, a depreciação da moeda nacional configura um choque duplo.

Além de acelerar a imunização contra a Covid-19 por todos os meios possíveis, a melhor ajuda que a administração poderia dar à política econômica seria sustentar a confiança geral na solvência do Estado por meio de providências duras de ajuste nas contas públicas.

Se isso fosse feito, no ambiente atual de preços das commodities em alta, haveria provavelmente uma inversão na dinâmica do real. Entretanto o presidente prefere deixar que tudo corra ao sabor das conveniências políticas de seus aliados do centrão, enquanto resmunga contra a reação dos mercados às incertezas que provoca.

Em tal cenário, tudo pode ser motivo de turbulência financeira —ainda mais uma declaração do ministro Paulo Guedes, da Economia, sobre o risco de o Brasil se tornar uma Argentina ou uma Venezuela se adotar políticas erradas.

Exagero ou não, fato é que o país já claudicava antes da pandemia, entre ajustes incompletos e incertezas políticas, e corre o risco de jogar fora as chances de retomada em nome de um populismo que, de tão bronco, nem de eleitoreiro merece ser chamado.

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