Ao final da dantesca transmissão de quinta (26) em que atacou as urnas eletrônicas, Jair Bolsonaro encontrou tempo para queixar-se da imprensa. “Eu quero voltar a ler a Folha, O Globo, O Estado de S. Paulo. Mas tem de mudar essa linha. Cair na real. Esquecer o mas, o porém, o talvez, o não é bem assim.”
Fosse possível isolar a declaração de seu contexto deprimente, o presidente pareceria apenas mais um governante a reclamar da cobertura crítica dos veículos de comunicação, neste caso com baixo nível de pudor e sofisticação, ou a desejar um adesismo sem poréns.
Mas Bolsonaro é de outra cepa. Seu interesse não está em contestar eventuais erros ou excessos da cobertura —que, sim, são inevitáveis na atividade jornalística e merecem debate constante. O que ele faz é uma campanha sistemática de ataque e intimidação, como parte essencial de seu projeto de poder.
Levantamento da organização Repórteres Sem Fronteiras contou nada menos que 87 investidas do presidente contra a imprensa no primeiro semestre deste ano. Uma a cada dois dias, portanto, com alta de 74% ante o semestre anterior.
Na contagem não faltam agressões diretas com termos chulos a profissionais, mulheres em especial, além das usuais arengas sobre uma suposta perseguição ao governo e à gestão ruinosa da pandemia.
Seus filhos —um senador, um deputado federal e um vereador no Rio— seguem a mesma conduta, assim como nomes do primeiro escalão, parlamentares aliados e, claro, a claque de seguidores inflamados nas redes sociais.
A estratégia não se limita à retórica. O Ministério da Justiça pediu formalmente investigações com base na Lei de Segurança Nacional mirando críticos do Planalto —e o ex-titular da pasta, André Mendonça, foi premiado com indicação ao Supremo Tribunal Federal.
Na mesma corte, o outro escolhido de Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, pediu ao Ministério Público Federal uma ação criminal contra o colunista Conrado Hübner Mendes, devido a opiniões publicadas neste jornal.
Trata-se da ofensiva mais ampla, agressiva e cotidiana contra o direito à informação e a liberdade de manifestação desde que foi restaurada a democracia no país, ainda que no período tenhamos testemunhado não poucas tentativas de desacreditar a imprensa por parte dos detentores do poder.
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