Desemprego, inflação e endividamento batem recordes no Brasil, tornando mais inseguro o dia a dia de famílias ainda sujeitas a uma pandemia mortífera, num país com vacinação atrasada e governo concentrado em arranjos políticos e objetivos eleitorais. As projeções da inflação ao consumidor já se aproximam de 7% em 2021, superando de longe o teto da meta, mas nenhum sinal de trégua aparece no mercado. Novos aumentos são prenunciados pela alta dos custos de produção, turbinados pelas cotações internacionais de matérias-primas, pelo encarecimento da energia e pela taxa de câmbio. Nem tudo chegará ao comprador final, mas algum repasse ocorrerá, como tem ocorrido, e assim o dinheiro já escasso ficará ainda mais curto.
O surto inflacionário hoje enfrentado pelos brasileiros é um dos legados da grande crise sanitária de 2020. Parte dos problemas é atribuível a desarranjos no sistema produtivo. A oferta de certos insumos e componentes industriais foi prejudicada e nem todos os desajustes foram corrigidos. Pelo menos as pressões daí derivadas devem ser temporárias. Mas, apesar desse adjetivo, a duração desses efeitos ainda é desconhecida. De toda forma, o aumento de custos continua intenso e dificulta qualquer previsão otimista.
Em junho, o Índice de Preços ao Produtor (IPP) foi 1,31% maior que no mês anterior. Em maio havia subido 0,99%. A alta acumulada no ano chegou a 19,11%. Em 12 meses atingiu 36,1%. Esses custos, também conhecidos como preços em porta de fábrica, são contabilizados apenas na indústria, sem impostos e sem frete. Na indústria de transformação esses preços aumentaram 0,76% em junho. A alta chegou a 8,76% na indústria extrativa. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As duas taxas acumuladas, no ano e em 12 meses, são recordes da série iniciada em 2014.
Também os preços por atacado (IPA) medidos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) subiram muito, desde o segundo semestre de 2020, e em 12 meses aumentaram 47,53%, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) de junho. Esse indicador inclui também matérias-primas minerais e agropecuárias.
Só uma parcela dos aumentos mostrados pelo IPP e pelo IPA chega ao varejo de bens e serviços. Ainda assim, as altas de preços no atacado acabam atingindo o consumidor e corroendo seu orçamento, já muito precário no caso da maior parte dos brasileiros. Segundo a prévia da inflação oficial, os preços ao consumidor, no período de 15 de junho a 13 de julho, foram 0,72% maiores que no intervalo mensal imediatamente anterior. Essa foi a maior variação para esse período desde 2004 – mais um recorde sinistro. Os dados são do IPCA-15 de julho, divulgado no dia 23.
Essa onda inflacionária ocorre numa fase marcada por dois outros recordes negativos. O pior deles é o desemprego. No trimestre móvel encerrado em abril os desocupados eram 14,8 milhões, 14,7% da força de trabalho. Essa porcentagem, alcançada já no trimestre de janeiro a março, foi a mais alta da série iniciada em 2012.
Esse quadro se completa com o nível de endividamento familiar. Em abril, as famílias deviam ao sistema financeiro 58,5% de sua renda anual, uma taxa recorde no período a partir de janeiro de 2005. Excluídas as dívidas imobiliárias, sobrariam débitos equivalentes a 36% da renda – também um recorde nesse tipo de sequência. Em abril de 2020, a dívida total das famílias com os bancos estava em 49,2% de sua renda. Com a pandemia, as dificuldades aumentaram e os brasileiros buscaram empréstimos para sobreviver ou para pagar outros compromissos. O quadro seria muito diferente se tivessem tomado financiamentos para melhorar de vida, como em tempos de prosperidade. As informações são do Banco Central.
Os dois últimos recordes infernais – do IPP e do endividamento – foram divulgados na quarta-feira. No dia anterior, o presidente Jair Bolsonaro, distante dessa realidade, havia completado o acerto com o senador Ciro Nogueira, convidado para chefiar a Casa Civil e tomar conta do governo em nome do Centrão.
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