Paulo Delgado,
Capital Político A foto
Se as perspectivas econômicas internacionais são pouco favoráveis no curto prazo as brasileiras são um desastre a curto, médio e longo prazo. Não adiante mais recorrer a testes de estressepara tentar fazer projeções e fugir do buraco.
Basta olhar os fatos políticos, econômicos e sociais para deduzir os argumentos. A inflação continua bastante alta, o índice de preços ao consumidor subindo sem parar com aumento generalizado em todos os setores. O custo do trabalho é crônico e preocupante, o desemprego não arrefece mesmo com a pequena e lenta melhora das condições sanitárias.
Juros altos, taxa de câmbio, aumento do combustível e da energia devem fazer manter a inflação elevada até o final do ano. A carestia mostra a cara desaparecendo com a noção de preços relativos. A indústria produz menos, a taxa de crescimento da economia não sustenta nenhuma recuperação na dimensão necessária.
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Como pouco se avançou em termos de reformas, difícil imaginar otimismo e melhora do ambiente socioeconômico. A perspectiva para 2022 preocupa e só piora. ____________________________________________________________
A deterioração do ambiente econômico se mantém com a derrubada do PIB e a subida da inflação para 2021 e 2022. Único ponto positivo são as perspectivas para o setor agrícola, que poderão se confirmar se decidir apoiar a produção sustentável, o selo verde e a nova mentalidade mundial em relação ao meio ambiente.
O fato
Eleitoralismo sem fim – O presidente nunca mudou e não deve ser criticado por incoerência, mas por não ser coerente o bastante como prometeu. Sua comunicação pessoal do tipo “cólera sem receio” faz o estilo conhecido da irresponsabilidade vai e vem do populismo e conta com a astenia, a falta de força da sociedade para contestá-lo. Sua manha não é astúcia original.
Tatear, confrontar e recuar, sempre mirando setores específicos do eleitorado cativo é a pior marca do político brasileiro no poder. Tal atitude contaminou sua gestão de retórica eleitoral permanente e a estendeu ao parlamento.
A maré favorável ao demagogo não é novidade. Somente agrava um costume dos governos Lula-Dilma, que se consolida como verdadeiro modelo político, a comprometer a estabilidade e os fundamentos econômicos de longo prazo.
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Os políticos – diante do enfraquecimento dos sindicatos e das associações profissionais somado à dispersão provocada pelas redes sociais – perceberam que é mais seguro se ancorar no eleitoralismo do governo do que ser porta voz das necessidades da sociedade.
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São tantos anos dessa prática que temos hoje um eleitoralismo permanente de Estado. Partidos políticos se converteram em verdadeiras autarquias estatais presas a fundos públicos milionários que subjugam o compromisso com os anseios da população. Isso pode ampliar a perigosa janela de desilusão do cidadão comum com a política.
São partidos e bancadas alienados da vida real e suas decisões servem mais aos seus mandatos que ao país. Como deseducadores coletivos não podemos nos espelhar na sua história.
O conflito do sistema
A crise política e sua volatilidade é fruto da competição desregrada entre o Presidencialismo pessoal, o Federalismo dos Estados membros e o Parlamentarismo irresponsável. A autonomia do parlamento tirou a prerrogativa do Executivo em relação à execução orçamentária na Câmara e ao diálogo com os governadores no Senado.
A retórica eleitoral presidencial e legislativa é da mesma natureza, mas o Senado tem demonstrado maior dose de maturidade. O controle autônomo das emendas de despesa, através do orçamento impositivo e do orçamento do presidente da Câmara, chamado secreto, é um verdadeiro “sistema”, montado desde os anos 2000 para sustentar governos em crise e baseado no aumento vertiginoso dos valores das emendas parlamentares.
Com um presidente experiente em relação aos desejos e demandas dos colegas da Câmara surgiu uma simbiose entre Congresso e Executivo que deteriora o cenário político brasileiro. Os benefícios recíprocos entre os dois poderes podem levar a outro escândalo do Orçamento como já tivemos nos anos 1990 e 2000. O tratamento dado ao Bolsa Família (ou Brasil) é só um bode expiatório.
Um grande exemplo do caráter secundário dado à desigualdade: pilotado por prefeitos, vereadores, deputados e senadores a lista dos ungidos aumenta ou diminui por critérios também subjetivos.
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Sem tocar nas verbas parlamentares e fazer a reforma administrativa, revogando privilégios da elite dos Três Poderes, os recursos necessários ao pagamento de benefícios virão de ilegalidades e improvisações, contribuindo para tudo ficar como antes.
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Sem capacidade operacional e inteligência emocional na gestão estatal desde o início, a equipe econômica enfrenta a pressão por rompimento dos compromissos fiscais, com desrespeito ao pagamento de precatórios e violação do teto de gastos.
Não adianta reclamar quem nunca se deu conta de que está tocando a fazenda pública de forma burocrática e na direção de mais concentração de renda e manutenção da pobreza.
Não há estudos sobre o alcance da regra e do papel dos benefícios sociais, nem qualquer discussão relevante sobre resultados de políticas públicas, nem de custo-benefício para o destinatário final, como estratégia de desenvolvimento e de melhoria estável das condições de vida.
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Há muita propaganda das exceções que sempre existem, os que conseguiram por seus próprios méritos se livrar da bolsa do Estado. A regra de confundir renda emergencial com mobilidade social de classe permanece entre a maioria dos estudiosos das políticas sociais.____________________________________________________________
O horizonte do Executivo e do Parlamento é o ganho eleitoral em 2022. Por isso, a ênfase na troca de nome do programa de Bolsa Família para Brasil. A mesma razão que fez o governo Lula trocar Bolsa Escola por Fome Zero na campanha e Bolsa Família no mandato. São programas sazonais de governo, infrutíferos à longo prazo.
Pecado original
A reforma ministerial já ocupa um lugar de destaque entre os despropósitos brasileiros decisivos para nosso fracasso como gestores públicos. A improvisação a que chegamos tem o nome do ministro e seu universo de falsos problemas.
O economicismo teórico de Paulo Guedes e sua pulsão política mal informada, produziu a inepta concentração ministerial, que extinguiu o Ministério do Planejamento e desaparelhou o Estado para exercer melhor sua função de médio e longo prazos.
Ao tentar escapar da dominação paternalista do Estado se valeu das categorias de pensamento de um liberalismo antissocial, fora do lugar e fora de moda. E ao atribuir aos Ministérios da Área Social – Trabalho, Cidadania, Cultura, Educação e Saude – o papel pejorativo de ministérios gastadores, necessitando de tutela, foi facilmente dominado pela realidade desigual e injusta brasileira que alimenta a maioria dos mandatos parlamentares no país.
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Sem nada oferecer em troca, Guedes tornou-se refém do parlamento, que é composto por voto de eleitores e tem obrigação de responder aos seus anseios.
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A exaltação da competência técnica como engajamento real e moralmente superior ao engajamento político, foi um álibi da equipe econômica para tomar posição política sem parecer se interessar pela política. Não deu outra: está submetido a dupla dominação – do aparato técnico antipolítico e do mundo político anticientífico.
Inexperiente e autossuficiente não se deu conta de que não se deve pretender acertar agindo fora da realidade, querendo transformar problema político em problema técnico.
Fuga de capitais
A perda de relevância na alocação de capital estrangeiro hoje, a baixa proporção que o Brasil tem na composição dos índices de mercado, crédito e participação acionária mundial, são consequência da má gestão da Economia.
A pouca atração de capital, o fato de nenhum grande banco de investimento operar no país, juros altos e câmbio desvalorizado e a perda de confiança na política governamental é que torna relevante o episódio da autoridade ter investimentos privados fora da costa – offshore. Nem o Ministro investe no país. É como cozinhar e comer fora. Inaceitável, senhores!
Os tanqueiros
A discussão sobre os impostos de combustíveis visa a desviar o foco da gestão atual da Petrobrás e da carestia geral e traduz a verdadeira guerra travada no governo entre União e Estados.
Ao contrário do mote que elegeu o atual presidente com o “menos Brasília, mais Brasil” temos hoje muito mais Brasília. O governo teme a força mobilizadora dos tanqueiros, transportadores autônomos de combustível, o setor mais organizado e influente da categoria dos caminhoneiros.
Terceira via
Pesquisa sobre como o brasileiro se informa exibe o fôlego do presidente e os limites da oposição: quem tem na televisão sua fonte revela uma visão mais negativa do presidente Bolsonaro do que aquele que busca seu insumo via Internet. A diferença é significativa, porque consolida a força da retorica governista em redes.
O ex-presidente Lula começa a usar mais as redes para tentar neutralizar essa vantagem. A chamada “terceira via” está longe de atingir bons números em mídias eletrônicas. Ainda é uma hipótese, mas seu campo de manobra tende a crescer após as decisões de fusão do DEM-PSL, a prévia do PSDB, a filiação do presidente do Senado ao PSD e a entrada de Moro na disputa.
As eleições ainda estão indefinidas com o ex-presidente Lula economizando sinais claros de ser um candidato para valer. Parece fazer uma cruzada-teste para medir os benefícios do recall a seu favor: se prevalecerá a memória positiva ou a negativa de sua biografia política.
O presidente Bolsonaro continua lançando balões de ensaio sem levar quase nada até o final acumulando cada vez mais ônus na economia. As outras opções só terão chance se unidas e capazes de pôr o dedo na ferida enfrentado o tabu.
Um novo campo só se justifica como “extra-ideologia” capaz de composição “anti-extremos”, um centro clássico em torno de um candidato moderado de fala sincera e agradável. Quanto mais candidatos existirem na via larga, que é a multipartidária e pluralista, mais se consolidará o cenário de duas ruas sem saída, já plenamente conhecidas e habitadas por dois inusitados “paz e amor”.
Paulo Delgado - É professor, sociólogo e consultor de empresas. Foi constituinte de 1988 e exerceu mandatos de deputado federal por Minas Gerais de 1986 a 2011. Articulista regular d'O Estado de São Paulo e assina a coluna de politica internacional dos Jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. É colaborador do Capital Político.⠀