Calendário eleitoral trava agenda de Guedes para 2022
BRASÍLIA— O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz sempre a seus interlocutores que, enquanto estiver no governo, vai brigar pela sua agenda. Mesmo que a proximidade das eleições dificulte o ambiente político no Congresso, ele afirma que tentará mudanças infralegais, como em normas, e ainda avançar na agenda de privatizações e concessões.
Mas a realidade pode se mostrar bem mais difícil aos seus projetos. Em um ambiente polarizado, mesmo pontos que não dependem de deputados e senadores, como a privatização da Eletrobrás, podem enfrentar obstáculos.
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E o ano já começa com um enorme desgaste para a equipe econômica: a pressão por reajuste salarial dos servidores, prometido pelo presidente Jair Bolsonaro apenas aos policiais, mas reivindicado por diversas categorias.
Guedes afirma que a falta de avanço que sua agenda enfrenta desde agosto é prova da antecipação do calendário eleitoral. Nos últimos mês, o governo centrou forças em apenas dois pontos, que se relacionavam: o Auxílio Brasil com benefício de R$ 400 mensais — principal aposta eleitoral do presidente — e a PEC dos Precatórios, para abrir espaço orçamentário a mais gastos públicos, a maior parte para atender a base do governo, em 2022.
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A privatização dos Correios, a reforma tributária e mesmo pontos como a melhora fiscal ficaram pelo caminho, atropeladas também pela piora da inflação e por menor crescimento. Os próprios articuladores do governo afirmam que o desafio é grande:
— Nossa janela de oportunidade é de 90 dias. Depois disso, o ambiente eleitoral vai dominar — diz o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso.
Ele acredita que haverá espaço para poucos projetos, talvez para pautas como mudanças no sistema de preços ou impostos dos combustíveis, um dos vilões da inflação alta.
Mas projetos que têm sido defendidos pelo ministro da Economia com força nas últimas semanas, como a reforma administrativa, não contam com apoio sequer do presidente da República, tornando a base de governo cética com a proposta de uma alteração da Constituição que corte privilégios dos servidores em ano eleitoral.
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Auxiliares do ministro têm a mesma percepção: não há condições de aprovar este ano, assim como a reforma tributária, por causa das eleições.
Ao contrário: 2022 começará com a pressão dos servidores por reajustes. Com algumas categorias sem aumento há cinco anos, o anúncio de correção salarial para policiais federais insuflou o movimento sindical, que não descarta greves em fevereiro. Como o orçamento de 2022 reserva apenas R$ 1,7 bilhão para reajustes — insuficiente até mesmo para o que o Bolsonaro prometeu aos policiais, estimado em R$ 2,8 bilhões — o tema deverá dominar a agenda do ministério em janeiro.
Parlamentares veem pouco espaço para questões controversas avançarem:
— A agenda de votações esse ano dificilmente conterá temas polêmicos. O ambiente político está contaminado pela polarização excessiva. Qualquer agenda que estimule esse enfrentamento terá muita dificuldade — avalia o líder do DEM, Efraim Filho.
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Especialistas avaliam que o momento é desafiador para o governo. Economista e professora do Insper, Juliana Inhasz lembra que a inflação continua alta, pressionada pela energia elétrica e pelos combustíveis. O desemprego segue elevado. E as dificuldades econômicas se somarão às incertezas políticas, com as dúvidas da sucessão presidencial:
— O cenário político coloca a economia em compasso de espera: o setor produtivo deve se manter em stand-by aguardando novas informações a respeito dos desdobramentos da campanha presidencial. Todos esses elementos somados deixam o crescimento econômico brasileiro cada vez mais distante.
Juliana ressalta que o cenário é agravado pelo quadro internacional, com pressões inflacionárias vindas de economias desenvolvidas. Ela acredita na alta dos juros nos EUA, o que deve levar ao aumento do dólar no Brasil:
— Uma vez que o ano é mais curto (as eleições inutilizarão metade do ano), provavelmente a maioria das reformas necessárias não sairão do mundo das ideias, colocando ainda mais entraves ao processo de retomada da economia.
Ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e um dos fundadores da consultoria Tendências, Mailson da Nóbrega afirma que o Brasil terá um ano difícil. Segundo ele, a inflação continuará alta ao longo do primeiro semestre e os juros devem subir, pelo menos, mais duas vezes em 2022:
Para piorar, ele cita o que considera “uma loucura” de Bolsonaro: a promessa de reajuste salarial para os policiais. Ele alerta para o risco de Guedes enfraquecer-se ainda mais:
— Tomara que Bolsonaro tenha uma crise de bom senso e desista desse aumento.
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Sérgio Vale, da MB Associados, afirma que o primeiro semestre deverá concentrar a adoção de medidas que, no fim, serão um esforço fiscal apenas pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
— Creio ser difícil reformas importantes que demandam esforço de coordenação política como a tributária e a administrativa. Talvez o melhor que o governo poderia fazer é centrar atenção nas concessões e privatização da Eletrobras o quanto antes — disse Vale.
Segundo auxiliares do ministro, privatizações que dependam do Legislativo, como a dos Correios, ficarão em banho maria.
— Ninguém vai arriscar o seu voto aprovando um projeto impopular — disse um interlocutor.
A expectativa é sejam aprovadas só medidas pontuais, como a MP que flexibiliza as garantias para o mercado de crédito. Guedes porém vai manter o discurso e defender as reformas. Há ainda, na equipe econômica, a previsão de alta nos investimentos com as concessões que já estão engatilhadas pelo Ministério de Infraestrutura, como de aeroportos.
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