quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A AGRESSÃO RUSSA

Editorial Folha de S.Paulo

Consumou-se a hipótese mais temida na escalada militar de Vladimir Putin contra a Ucrânia. O autocrata de Moscou procedeu à invasão do país vizinho, o que configura violação do território de uma nação soberana e deveria ser condenado pela comunidade internacional.

Ainda não estão claros a extensão da intrusão das tropas russas nem o seu objetivo militar. Ao que parece, os invasores pretendem sufocar a região da capital, Kiev, e isolar e enfraquecer as forças legalistas que combatem separatistas pró-Moscou no leste da Ucrânia.

Os pretextos para a guerra alegados por Putin, como o de proteger russos étnicos no oriente ucraniano de um suposto genocídio e o de "desnazificar" a região, não passam de uma farsa para ocultar as intenções tirânicas do líder russo.

Embora em nada justifique a aventura armamentista do Kremlin, falhou mais uma vez a estratégia das potências ocidentais para lidar com o expansionismo russo.

Algo semelhante, em menor escala, já havia ocorrido em 2008, quando o mesmo Vladimir Putin tomou de assalto rapidamente a Geórgia, que, como a Ucrânia agora, se aproximava da Otan, a aliança militar ocidental. A Rússia repetiria a dose de ousadia arrancando dos ucranianos a Crimeia em 2014.

As sanções econômicas e financeiras tornaram-se na prática o único instrumento para impor punições à Rússia. O alcance desse tipo de medidas, contudo, está limitado por alguns fatores.

Se prejudicar a principal fonte de recursos externos para a elite dirigente russa —as exportações de gás e petróleo—, o castigo irá inevitavelmente comprometer o abastecimento energético da Europa ocidental, em especial o da Alemanha, com repercussões negativas para toda a economia global.

Além disso, a ditadura chinesa, que reforçou seus laços diplomáticos com Moscou durante a crise na Ucrânia, poderá atuar para amenizar o efeito das sanções, abrindo mais portas do seu gigantesco mercado aos negócios com a Rússia.

Nesse jogo de xadrez, enquanto move suas peças sempre depois do líder russo, a aliança ocidental deveria repensar a sua linha de interação com o Kremlin. Incentivar nações fronteiriças a aderirem à Otan não tem se mostrado opção eficaz para estabilizar a região.

A despeito disso, não se pode deixar de condenar a solução de controvérsias pelo recurso às tropas, como tem sido a opção de Putin. A diplomacia mais responsável e pragmática que já foi inventada pauta-se pelos princípios do respeito à autodeterminação dos povos e da não ingerência em questões internas de outras nações.

São de resto pilares da Carta brasileira, o que deveria levar o Itamaraty a condenar a invasão russa.

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