Foi sutil, embora nada trivial, a mudança de rota empreendida no governo e na campanha de Jair Bolsonaro desde o fim do ano passado. Operada de forma engenhosa pelo Centrão, que domou o voluntarismo do presidente e dos filhos, conseguindo até que eles colaborassem com o plano. O resultado parece ser ter estancado a queda livre do capitão. Saber se o pior momento para ele foi definitivamente superado, no entanto, dependerá de alguns fatores.
Os pragmáticos de plantão conseguiram fazer Bolsonaro parar de vociferar todos os dias contra a vacinação de crianças para Covid-19. Ficou evidente, por pesquisas, que a forma desarrazoada com que ele investiu contra a imunização dessa faixa no momento em que a Ômicron avançava, e as famílias estavam aflitas sem poder proteger os pequenos, poderia representar os pregos em seu caixão reeleitoral.
Tirar o presidente (e até Marcelo Queiroga, que seguia cegamente a cartilha do chefe) de cena naquele episódio foi essencial para estancar a sangria.
Mais esse crime do presidente no enfrentamento da pandemia foi então sendo diluído graças a algumas circunstâncias: de fato veio uma onda forte de contaminação pela Ômicron, fazendo com que, por algumas semanas, deixasse de haver distinção entre quem seguiu ou não os protocolos para se proteger do vírus. Depois que “todo mundo pegou” Covid-19, a discussão sobre a responsabilidade de Bolsonaro perdeu ímpeto, para o que a cumplicidade de Augusto Aras arquivando o relatório final da CPI da Covid foi providencial.
De forma inteligente, Ciro Nogueira, Fábio Faria, Rogério Marinho e os novos timoneiros do barco parecem ter feito um acordo providencial com a família: Carluxo pode brincar nas redes, desde que os profissionais tomem conta da comunicação estratégica do governo. E esses ministros passaram a dar rosto e voz ao enfrentamento político do PT e de Lula, o que não vinha sendo feito até então.
Paralelamente a esse movimento na comunicação, o fechamento com o Congresso assegurou o fluxo de recursos rápido e sem controle para as camadas mais necessitadas da população, que os diagnósticos eleitorais mostravam precisar ser conquistadas para que o presidente reagisse nas pesquisas.
Como aprenderam a decodificar Bolsonaro, os profissionais da política parecem ter feito um acordo com ele: nada de falar de vacina de crianças mais, mas liberado para continuar mantendo a massa fanatizada açulada com doses de narrativa sem pé nem cabeça.
Foi o que continuou a ser feito por ele, pelos filhos e pelos repetidores a soldo ou não nas redes sociais em temas como Rússia, riscos das urnas eletrônicas e a agenda mais que batida de Deus, família, armas e fora PT.
A permanência da agenda bolsonarista raiz, de um lado, a dissipação dos horrores cometidos por Bolsonaro deliberada e reiteradamente no curso da emergência sanitária, de outro, e a supervisão de um grupo de sobreviventes de sucessivos governos por cima de tudo de fato estancaram a derrocada.
Bolsonaro apresenta recuperação de até quatro pontos nos dois primeiros meses do ano nas intenções de voto espontâneas de várias pesquisas. Um dado em especial grita: mesmo entre quem acha seu governo ruim e péssimo, é grande o contingente que se declara disposto a votar nele.
Os obstáculos no caminho dessa estratégia são dois: a inflação longe de controle e a rejeição quase impeditiva de Bolsonaro (65% que dizem não votar nele de forma nenhuma). É nessas duas pontas que os profissionais trabalharão.
Não é simples, como evidencia a novela dos combustíveis. Mas, até aqui, todas as dificuldades do governo não vieram da oposição, que parece acreditar, ingenuamente, que Bolsonaro é cachorro morto, mesmo com a caneta e o talão de cheques na mão e gente que não rasga dinheiro no comando.
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