Em quase 23 anos de poder no Kremlin, Vladimir Putin nunca foi conhecido como um estrategista sofisticado. Sempre pareceu agir mais de forma tática, saltando de galho em galho nas crises internacionais, buscando extrair o máximo de vantagens imediatas.
Na atual contenda em torno da Ucrânia, entretanto, o presidente russo tem mostrado uma faceta que revela seus objetivos mais permanentes. Em consonância com sua fama de implacável, não tem poupado o direito internacional durante a empreitada.
O que Putin deseja pode ser resumido —dispensando as minúcias da composição étnica russa do leste ucraniano— em um ponto: restaurar áreas de isolamento entre suas fronteiras e as de seus adversários, como fizeram antes czares e líderes do Partido Comunista.
Há o componente militar do propósito, que visa afastar tropas da Otan que o Ocidente teimou em fazerem cercar a Rússia após a vitória na Guerra Fria, e o político. A União Europeia, tropa civil dessa disputa, é um garoto-propaganda da democracia liberal que Putin deseja ver longe de inspirar alguma oposição em casa.
A relação do russo com o autocrata húngaro Viktor Orbán, um estranho no seio de Bruxelas, apenas prova que há também uma queda de braço ideológica em curso.
Na segunda (21), Putin elevou ao paroxismo a até agora bem-sucedida manobra de explicitar aos Estados Unidos, que considera o único interlocutor que importa nessa disputa, seus objetivos geopolíticos.
Reconheceu as autoproclamadas repúblicas separatistas étnicas russas no Donbass (região no leste da Ucrânia), oito anos depois do início da guerra civil na qual as ajudou a minar as pretensões europeias do governo em Kiev
Com isso, e talvez 150 mil soldados mobilizados em torno da Ucrânia, Putin quer dar credibilidade à sua ameaça. Se enviar forças em apoio aos separatistas, como anunciou e depois disse só cogitar, o russo violará o território vizinho. Só não será um ato de guerra porque as áreas, na prática, já são ocupadas por seus lacaios.
Os EUA e a Europa anunciaram sanções mais duras contra o Kremlin, mas até aqui o instrumento não logrou seus objetivos. Se estabelecer as novas fronteiras como fato consumado, repetirá a operação que comandou pelos mesmos motivos na Geórgia, em 2008. Ali, houve uma curta guerra; aqui, a vitória poderá vir sem um tiro.
É realpolitik. Mas a lição que fica ao mundo é deletéria, já que entroniza a volta da força bruta no domínio das relações internacionais e recompensa um regime que, embora tenha seus motivos na peleja com o Ocidente, esposa valores crescentemente autoritários.
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