sexta-feira, 27 de maio de 2022

HOBIN HOOD ÀS AVESSAS

Vicente Vilardaga, ISTOÉ

O deputado federal e ex-ministro da Cidadania, João Roma, estava exultante. Com a mesma mão que assinou a liberação de verbas em março de 2021 para a compra de 247 tratores como ministro, ele agora, em maio, como candidato de Jair Bolsonaro ao governo da Bahia, segurava o celular para fazer uma selfie com seus correligionários tendo ao fundo um desses veículos. É o ciclo doentio da política brasileira. O mesmo sujeito que libera a verba capitaliza o retorno político, com dois detalhes importantes: segundo o jornal Folha de S.Paulo, o governo tirou R$ 90 milhões de auxilio que deveria ser destinado para famílias pobres duramente afetadas pela pandemia de Covid-19 e usou para comprar as máquinas pesadas. Além disso, nesse processo de realinhamento de verbas orçamentárias, a Bahia, base de Roma, foi o estado mais beneficiado. Toda a operação, aparentemente aleatória, seguiu a lógica perversa que orienta todas as ações do governo, que é tirar dos necessitados para dar aos ricos. Os tratores foram adquiridos da empresa chinesa XCMG e estão sendo distribuídos para aliados locais poderosos em troca de apoio eleitoral.

O que se vê é que tratores e caminhões se tornaram uma moeda de troca clientelista nessas eleições, usados para alavancar candidaturas estaduais alimentadas pelo Centrão. E na hora de realinhar recursos orçamentários para compra de veículos são deixados de lado invariavelmente projetos de maior envergadura social para proteger a população carente. O dinheiro usado para comprar tratores, sobra do orçamento gerado pela transição do programa Bolsa Família para o Auxílio Brasil deveria ter sido utilizado, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) em despesas de custeio e não para investimentos, como Roma estabeleceu. O candidato ao governo teria oportunidade de destinar os recursos, por exemplo, como foi recomendado por técnicos do próprio governo, para 45 mil famílias em extrema pobreza que vivem no interior da Bahia. “Esses recursos eram para ser investidos na área social e a aquisição dos tratores vai justamente na área de inclusão social produtiva, justamente na área de agricultura familiar”, justificou o ex-ministro, que negou qualquer uso político na distribuição das máquinas. “A Bahia só foi o estado mais beneficiado por questão de população e território e ninguém perguntou a qual partido estava filiado o prefeito que recebeu o trator.”

Do total dos recursos direcionados pelo Ministério da Cidadania para os tratores, R$ 22 milhões foram para a Bahia. O Maranhão, segundo estado mais beneficiado, recebeu R$ 19 milhões e São Paulo, R$ 17 milhões. O Ministério, que nunca esteve envolvido com a compra de máquinas pesadas, algo incoerente com a natureza de sua operação, agora planeja novas aquisições de equipamentos no seu Plano Anual de Contratações. Ao todo, estão previstos gastos de mais R$ 1,2 bilhão em 600 escavadeiras hidráulicas, 500 motoniveladoras, 1,2 mil pás carregadeiras e 600 retroescavadeiras, que serão doadas pela União às prefeituras. Como vem acontecendo, tudo será adquirido com recursos que deveriam ser usados em projetos sociais para beneficiar especificamente os agricultores inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), registro federal das famílias da zona rural em situação de pobreza. Essas pessoas que realmente precisam, porém, não vão ver a cor do dinheiro. Já está tudo comprometido com as negociatas políticas do governo, que trabalha pensando exclusivamente na reeleição de Jair Bolsonaro e de seus candidatos pelo Brasil.

Bolsolão do lixo

Além de tratores, o governo também promove farta distribuição de caminhões compactadores de lixo para pequenas prefeituras de todo o País. Sob influência da Companhia dos Vales do Rio São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que virou um balcão de negócios do Centrão, e incentiva a compra de veículos por preços superfaturados junto a fornecedores suspeitos. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), segundo noticiou o Estadão, favoreceu diretamente uma amiga que frequenta seu gabinete, a empresária Carla Morgana Denardin, dona do Grupo Mônaco Diesel Caminhões, Ônibus e Tratores. Nogueira direcionou uma emenda parlamentar no valor de R$ 240 mil para a compra de um caminhão de lixo da empresa de Carla para o município de Brasileira (PI). Entre os fornecedores de veículos compactadores para o governo estão empresas fantasmas, como a Globalcenter, que funciona em uma casa abandonada em Goiânia.

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