Consolidando uma tradição deletéria da política nacional em ano eleitoral, o Senado aprovou uma anistia generalizada a devedores dos cofres públicos, no caso aos inadimplentes do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Todo mundo ganha – os inadimplentes; os políticos, que oferecem mais um pacote de bondades a um nicho eleitoral; as universidades, que já tiveram suas mensalidades pagas –, exceto o contribuinte, que arca com os custos, e aqueles beneficiários que se sacrificaram para honrar em dia seus compromissos.
O problema das dívidas estudantis não é peculiaridade do Brasil. Nos EUA, por exemplo, ele suscita debates inflamados. Mas a inadimplência crônica do Fies em particular, que agora tenta ser remediada com uma medida populista, é ela mesma um típico produto de políticas demagógicas.
Durante a gestão petista, o programa, criado pelo governo FHC, foi engordado, com regras cada vez mais frouxas de concessão de empréstimos, chegando a beneficiar muitos estudantes de alta renda. Previsivelmente, a inadimplência explodiu, e foi agravada pela recessão fabricada pela irresponsabilidade fiscal do governo Dilma Rousseff. A taxa de inadimplência ultrapassa 50%: mais de 1 milhão de inadimplentes, cujas dívidas chegam a R$ 6,6 bilhões.
O problema poderia suscitar reformas para eventualmente ampliar o número de bolsas a estudantes pobres ou cotas sociais em universidades públicas. Para os atuais inadimplentes, e com vistas aos futuros, poderia se planejar negociações focalizadas e programas de amortização condicionados à renda.
Mas a solução do governo Jair Bolsonaro, como tudo o mais em suas políticas educacionais, foi reativa, inepta e demagógica. No fim de 2021, Lula da Silva defendeu uma anistia geral. Ato contínuo, Bolsonaro editou a medida provisória agora aprovada pelo Congresso.
A medida beneficia os alunos que aderiram ao programa até 2017. Aqueles com débitos vencidos há mais de 90 dias da publicação da medida podem ter desconto de até 12% no pagamento à vista, ou parcelar o débito em 150 meses, com perdão de juros e multas. Quando o débito ultrapassar 360 dias, os descontos chegam a 77%. Para os inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais, o abatimento chega a 99%.
Como toda medida demagógica, essa ameaça gravemente a sustentabilidade de um importante programa de inclusão social. Com a solução preguiçosa e eleitoreira do governo e do Congresso, é previsível uma chuva de ações judiciais por parte daqueles que pagaram em dia, pedindo os mesmos descontos. Mais grave, o perdão indiscriminado passa um recado aos beneficiários desse e outros programas de crédito (como o Refis) de que honrar suas dívidas pode ser bom para a consciência, mas é mau negócio. Melhor esperar a próxima anistia, que seguramente virá no período eleitoral.
Em troca de votos, os atuais mandatários contribuem mais uma vez para cimentar a cultura do calote. A cortesia é com chapéu alheio: quem paga a conta é o contribuinte. Espera-se que, enquanto eleitor, ele não premie quem premia o calote.
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