Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).
Jair Bolsonaro é "suspeito" de integrar uma quadrilha para desvio de dinheiro público —as "rachadinhas", uma modalidade de peculato.
Além do enriquecimento ilícito, a família Bolsonaro anda armada, ameaça jornalistas, perturba o processo eleitoral e conspira contra a democracia.
Nem por isso forças de segurança podem atirar para matar o governante "suspeito", réu no Tribunal dos Povos, ou os filhos "suspeitos" do governante, homiziados em Brasília.
Há pastores evangélicos "suspeitos" de explorar a miséria humana, lavagem de dinheiro, pedofilia, charlatanismo, corrupção. Nem por isso as polícias invadem igrejas repletas de fiéis e disparam suas armas contra os religiosos "suspeitos".
Há oficiais do Exército "suspeitos" de tortura, extorsão, tráfico de drogas, desvio de armas. Nem por isso destacamentos assaltam quartéis, atiram a esmo, e abatem a tiros militares "suspeitos".
Há políticos e empresários "suspeitos" de desmatar a Amazônia ou de cometer atos gravíssimos contra a administração pública. Nem por isso seus colaboradores, familiares ou vizinhos são atingidos por balas perdidas.
Quem examinar a relação de inquéritos instaurados no Supremo Tribunal Federal contra Arthur Lira, por exemplo, verá que o presidente da Câmara dos Deputados, hoje com o nome "limpo", já foi "suspeito" de um impressionante rosário de delitos (corrupção, evasão de divisas, lavagem de capital, organização criminosa, compra de votos, desvio de valores, violência doméstica). Nem por isso policiais justiceiros estavam autorizados a acionar os seus fuzis no gabinete parlamentar.
Este exercício retórico parece esdrúxulo (e de fato é), mas ajuda a observar a situação absurda que a sociedade brasileira impõe a habitantes de favelas cariocas.
Há nos morros do Rio de Janeiro "suspeitos" de tráfico de drogas. Nem por isso operações policiais podem ser arquitetadas como se inexistissem ali moradores inofensivos.
A reação das "autoridades" à calamitosa operação da Vila Cruzeiro, com pelo menos 23 "suspeitos" mortos, é infame.
O presidente da República, "suspeito" de fazer apologia da letalidade policial, parabeniza os "guerreiros" do Bope por "neutralizar" pelo menos 20 marginais. Para o macabro governador Cláudio Castro, que, depois de quase dois anos no Palácio Guanabara, comemora 330 mortos em 74 chacinas, o complexo da Penha é "hotel de luxo para chefes de facções criminosas".
Para dar um brilho político à tragédia, o cínico comando da PM do Rio de Janeiro adere à estratégia golpista de Bolsonaro e acusa o Supremo Tribunal Federal de estimular a criminalidade ao tentar inibir confrontos e tiroteios.
Agora parceira da Polícia Rodoviária Bolsonarista, com tradição histórica de achaques e abordagens humilhantes de motoristas imprudentes ou "suspeitos" (a improvisada câmara de gás em Sergipe é sinal de novos tempos), as forças policiais cariocas matam, matam e matam porque ninguém se importa.
Nada acontece com policiais matadores e seus comandantes assassinos. Arriscaria dizer que as polícias do Rio, com as honrosas exceções de sempre, estão entre as mais corruptas instituições do planeta.
É só enterrar os mortos e esperar. Outras chacinas virão: outras favelas, outros "suspeitos", invariavelmente pobres e pretos. Diante do olhar complacente e do silencioso sorriso da magistratura e do Ministério Público. Com as honrosas exceções de sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário