É da natureza do governo Jair Bolsonaro (PL) a fidelidade aos interesses de grupos aliados —sejam policiais, militares, defensores de armas, ruralistas, evangélicos ou caminhoneiros— em detrimento da atenção ao interesse público.
Entre inúmeros exemplos, nesta terça-feira (31) a administração federal esteve novamente às voltas com o impasse criado pela insistência do mandatário em conceder reajustes salariais para as carreiras da área de segurança pública.
Como um governo previdente seria capaz de prever, a benesse injustificada despertou demandas das demais corporações do funcionalismo, cujos protestos e paralisações hoje prejudicam a prestação de serviços à sociedade.
Previu-se, então, um reajuste linear de 5% para todos os servidores, e a conta para os cofres públicos saltou do R$ 1,7 bilhão inicial para algo mais próximo dos R$ 8 bilhões —dinheiro que terá de ser remanejado de outras áreas.
Agora, muito tardiamente, constata-se o óbvio: para elevar os salários de profissionais que dispõem de estabilidade no emprego e remunerações das mais elevadas do país, é preciso retirar recursos da saúde, da educação, da ciência. E o presidente hesita diante de uma crise criada por ele próprio.
Boas políticas públicas dependem de providências cotidianas e invisíveis para a maioria. Trata-se de cotejar custos e resultados, fixar metas, negociar com os envolvidos, persistir nos rumos traçados, aprender com a experiência.
Avesso ao trabalho, Bolsonaro prefere o barulho. Troca duas vezes o comando da Petrobras em poucas semanas a fim de parecer fazer algo contra a alta dos combustíveis, assim como empilha ministros na Saúde e no MEC. Mesmo o Auxílio Brasil, de objetivos corretos, foi introduzido sem os devidos cuidados de elaboração e gestão.
O programa não tem sido capaz de reverter a impopularidade do presidente entre os eleitores de renda mais baixa. Segundo o Datafolha, 50% dos que ganham até dois salários mínimos consideram o governo ruim ou péssimo, e 20%, ótimo ou bom. Na faixa acima de dez mínimos, aprovação (45%) e reprovação (44%) são equivalentes.
Que fiquem claras, porém, as proporções: o primeiro contingente corresponde a 52% da amostra da população utilizada pelo instituto, e o grupo mais rico, a apenas 3%.
A maioria pobre ou mal remediada sofre os efeitos mais dolorosos da inflação acelerada, que ora parece o maior obstáculo às pretensões eleitorais de Bolsonaro.
A escalada de preços é fenômeno global, decerto, mas seu controle é dificultado aqui pelo enfraquecimento da disciplina orçamentária e pelo abandono das reformas.
Na campanha, o mandatário terá pouco a apresentar além da dedicação a pautas de aceitação minoritária na sociedade —do acesso a armas ao ensino domiciliar, do combate a multas de trânsito à recusa dos cuidados contra a Covid. Precisará apostar, ao que parece, na rejeição ao principal adversário.
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