Jair Bolsonaro já disse coisas horríveis sobre as mulheres —como nas asquerosas ofensas à jornalista Patrícia Campos Mello, a serem julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Mesmo assim, não é pequeno o número das mulheres bolsonaristas. Sim, ele perde feio de Lula no eleitorado feminino: segundo o Datafolha, conta com 21% dos votos das mulheres, enquanto seu principal adversário tem 49%.
Mas você a conhece: a mulher bolsonarista aparece na linha de frente de qualquer passeata ou manifestação em apoio ao presidente.
Vou generalizar, é claro, e peço desculpas se me acharem preconceituoso. Mas o que vejo nas fotografias tem um perfil bastante claro.
A camisa da seleção está por cima de alguma outra blusa e combina com o cabelo pintado de loiro. Ela já passou dos 50 anos, é mais para baixa, parece estar junto com o marido. Ele, de bermuda, ela, de moletom.
Está longe de ser uma dondoca, uma perua, uma patricinha. Essas são bolsonaristas também, em boa medida. Mas a bolsonarista de passeata vem de outra classe social e não pretende ser mais do que é.
Dona de casa, proprietária de bar, gerente de confecção, funcionária da secretaria de uma escola de freiras, organizadora de grupos de oração numa igreja evangélica, tudo indica que vem da classe média baixa, ou média mesmo, em algum bairro que não conta com muito prestígio nas páginas de um jornal impresso.
Nos tempos de Carlos Lacerda, o contingente de idosas que se deixava fanatizar pelo líder direitista era chamado, com bastante machismo, de "as mal-amadas". Sem ser bonito, Lacerda exercia forte atração sexual; outro caso, o do sensaborão brigadeiro Eduardo Gomes, inspirava o slogan "é bonito e é solteiro". Não acho Bolsonaro feio, de jeito nenhum, e por mais que o deteste politicamente, não lhe nego as qualidades da simpatia e do bom humor.
Vejo pouca eletricidade sexual, contudo, entre Bolsonaro e suas admiradoras. Os tempos são outros, e a mulher bolsonarista não está canalizando suas frustrações sexuais (de resto, quem não as tem?) no ex-capitão de olhos azuis.
Acho que o atual extremismo feminino tem mais a ver com uma questão de autoridade. Penso na pequena "empreendedora" que se orgulha de seu papel produtivo, e das broncas que sabe dar nos songa-mongas que emprega a salário baixo.
Ou na dona de casa que há 30 anos vive com um idiota e acha com razão que se não fosse por ela a família toda já estaria morando debaixo da ponte. É também a síndica que impede o condomínio de virar maloca.
Ela viu os filhos da vizinha entrarem no mundo das drogas e se felicita por ter educado os seus à moda antiga.
Ou, quem sabe, gostaria de ter tido essa firmeza toda e, ao contrário, se vê humilhada pelo marido, ignorada pelos professores da escola em que trabalha (são uns esquerdistas desgraçados); já teve conflitos com a nora e, entre um barraco e outro, acaba tendo de engolir o que não quer.
Ofendeu e foi ofendida; manda e é mandada. A vida, para ela, é uma luta —não para conquistar direitos, ou para sair da pobreza, mas para se manter no lugar em que está.
Reconhece em Bolsonaro as suas próprias características. Não vê no presidente, portanto, um agressor de mulheres, um machista pré-histórico.
O que incomoda a mulher bolsonarista são figuras como Dilma Rousseff ou Maria do Rosário: a militância de esquerda, o feminismo, a crítica à sociedade patriarcal. É isso o que ela não admite.
Tudo, menos estar lado a lado numa luta que unifica negros, homossexuais, indígenas, populações sem teto. Ela não se considera uma vítima de uma ordem social qualquer; isso a rebaixaria demais.
Destrutivo e grosso, obsceno e chocante, descontrolado e durão, Bolsonaro é o falo que a bolsonarista gostaria de ter, ou que imaginariamente possui. O marido não é lá essas coisas; Bolsonaro faz dela o homem da casa.
A Lady Macbeth do Jardim Sarrafo quer golpes de Estado e morticínios; como a personagem de Shakespeare, apela às forças das trevas para que a livrem de seu sexo e que a sequem de "todo leite da bondade humana".
Quanto aos direitos da mulher, ela se contenta em inverter o velho slogan malufista do "estupra, mas não mata". Bolsonaro, quem sabe, lhe parece mais confiável. Mata, mas não estupra.
Ilustração que representa fotografias em preto e branco de mãos sobre um fundo estampado com as cores verde a amarelo
Marcelo Coelho - Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.
Ilustração publicada em 28 de junho - André Stefanini
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