Professor e coordenador nacional do MTST, é formado em filosofia (FFLCH-USP), especializado em psicologia clínica (PUC-SP) e mestre em psiquiatria (USP); foi candidato à Prefeitura de São Paulo (2020) e à Presidência da República (2018) pelo PSOL
O destino é mesmo irônico. Fiquei anos tendo que responder que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) não toma a casa de ninguém. Enfrentando o preconceito e as fake news sobre a luta por moradia, falando sobre a função social da propriedade, o Estatuto da Cidade e os milhares de imóveis abandonados e ilegais no Brasil. E, agora, justamente aqueles que mais vociferavam que "o Boulos e o MTST vão tomar a sua casa" querem aprovar uma lei que permite aos bancos tomarem a sua casa.
O projeto de lei 4.188/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados por iniciativa de Jair Bolsonaro (PL) e do centrão, pretende acabar com a proteção da impenhorabilidade do bem único. Em português claro, autoriza que os bancos e demais instituições financeiras tomem a única propriedade de uma família para quitar dívidas. Até aqui, tudo pode ser resgatado pelos bancos, menos o imóvel de residência familiar. Se o projeto bolsonarista for aprovado pelo Senado, quem não pagar suas dívidas vai direto para a rua.
Sob a pompa de se criar um novo marco legal das garantias de empréstimos, o projeto arma, na verdade, uma cilada para que as famílias brasileiras, já enforcadas pela crise econômica, fiquem ainda mais endividadas. As pessoas serão estimuladas por belíssimas campanhas de marketing a tomar vários empréstimos e dar o mesmo imóvel como garantia. A necessidade de dinheiro, no curto prazo, vai falar mais alto, e nem todos serão capazes de perceber o risco que estarão correndo.
O mundo já assistiu a esse filme de horror com a crise do subprime nos Estados Unidos, em 2008. O resultado, não custa lembrar, foram milhares de pessoas expulsas de suas casas, com a execução de hipotecas, e famílias inteiras morando em trailers ou barracas em grandes áreas de estacionamento. Do outro lado do balcão se realiza o sonho de consumo dos banqueiros, que só olham para os bilhões de lucro e sorriem cinicamente ante o enorme risco sistêmico que isso representa para a economia nacional.
Cabe agora ao Senado barrar essa insanidade. Mas se também ali o poder dos bancos falar mais alto, caberá ao Supremo Tribunal Federal garantir a Constituição. A impenhorabilidade do único imóvel de uma família é assegurada pelo artigo 6º, que garante o direito fundamental à moradia, e pelo artigo 226º, que define que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado". O interesse dos bancos não pode estar acima da Constituição. Ainda mais num país que destruiu suas políticas habitacionais e convive com o drama de milhares de sem-teto nas ruas.
O PL 4.188 é parte da xepa de feira em que se transformou o Congresso neste último ano do governo Bolsonaro. Querem aproveitar os meses que restam para aprovar todo tipo de aberrações contra o povo brasileiro. Que venha logo outubro, para derrotarmos este governo e elegermos uma grande bancada popular, capaz de enfrentar as negociatas do centrão no Parlamento. E quando vierem falar que o MTST vai tomar sua casa, não esqueça: os verdadeiros "invasores" operam hoje à luz do dia, no Palácio do Planalto e na Câmara dos Deputados.
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