Sem surpresa, ainda que por margem estreita, Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia no segundo turno, em 19 de junho, e será o primeiro político de esquerda a governar o país. Em sua juventude, participou do extinto grupo guerrilheiro M-19, foi senador durante dois mandatos e prefeito de Bogotá. A Colômbia era vista como um dos últimos redutos conservadores de nossa região. Em suas primeiras declarações, Petro indicou que irá priorizar o problema da fome, já que 39% da população da Colômbia vive em situação de pobreza extrema.
A vice-presidente na chapa de Petro, Francia Márquez, é a primeira mulher negra a ser eleita no Poder Executivo da região.
Com a eleição de Petro, temos agora seis presidentes de esquerda na região. Relembrando: López Obrador, no México; Gabriel Boric, no Chile; Pedro Castillo, no Peru; Luis Arce, na Bolívia; e Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas eu também incluiria Alberto Fernández como sendo de esquerda, o presidente da Argentina que acaba de declarar apoio a Lula, fala em buscar uma política comum de atuação na região e passa por momento difícil, pois Cristina Kirchner continua tendo muita influência no governo. Caso Lula seja eleito, confirmando as pesquisas eleitorais para 2/10/2022, teremos oito presidentes de esquerda na região e um governo ditatorial na Venezuela.
No Equador, o presidente Guillermo Lasso, da direita, vem enfrentando violentas manifestações de grupos indígenas, que têm presença política relevante, contra a alta nos preços dos combustíveis, que, aliás, é uma constante mundo afora.
Assim, as eleições recentes indicam nova guinada para a esquerda, num movimento pendular, como vimos no passado?
Uma possível explicação para essa guinada seriam a pandemia, a guerra na Ucrânia e, mais recentemente, a inflação, que vieram a agravar os desníveis de renda e colocaram nossa região numa posição crítica e inaceitável. Assim, não me parece que seja um movimento simplesmente pendular, mas tenho dúvidas se os novos governantes conseguirão alterar o quadro descrito. Tentarão reformas mais agressivas para mitigar os efeitos perversos da desigualdade, mas terão de enfrentar Congressos divididos, sem um matiz ideológico claro. E, nesse contexto, registro a grande descrença nos políticos e, inclusive, no regime democrático, que é questionado.
Este quadro não é exclusivo de nossa região. A reeleição de Emmanuel Macron, na França, foi dificultada pela extrema-direita liderada por Marine Le Pen, que nas eleições parlamentares de 19 de junho conseguiu ampliar para 89 seus representantes (antes eram 8), e a frente de esquerda, liderada por Mélenchon, terá a segunda força na Câmara. Assim, Macron terá de fazer concessões para poder governar e cumprir seus projetos, entre eles a reforma da previdência, que continuará enfrentando grande resistência.
A maior democracia, os EUA, passa também por momentos difíceis, buscando recuperar-se do desastroso governo de Donald Trump e com Joe Biden constatando perda de popularidade. Fareed Zakaria, importante articulista do The Washington Post, em recente artigo, sob o título A intrigante impopularidade de Biden, aponta a inflação como fator predominante, com o consequente enfraquecimento da liderança de Biden em seu próprio partido. Os republicanos também não estão tornando sua vida nada fácil num quadro de altas taxas de juros e ameaça de recessão no médio prazo. Para surpresa de muitos, mesmo com o desgaste de Trump, que está sofrendo uma CPI que analisa a invasão ao Capitólio, existe um bolsão republicano que continua apoiando o ex-presidente.
Assim, os democratas nos EUA correm o risco de perder a maioria nas eleições de meio do ano (8 de novembro). Ficou muito difícil a aprovação de medidas apresentadas por Biden e ele corre o risco de não ser reeleito em 2024.
É nesse complexo cenário mundial que a democracia está sendo questionada, e quando teremos nossas eleições em 2 outubro. Precisamos, mais do que nunca, escolher um presidente que tenha o perfil de estadista capaz de implementar não só políticas internas para mitigar os efeitos da pobreza e da desigualdade social que assolam o País, mas, ao mesmo tempo, que dê a devida atenção à nossa política externa, para que estejamos em condições de reposicionar nosso país na nova geopolítica mundial. Certamente, contaremos com as consequências da guerra na Ucrânia e teremos de reparar os desgastes sofridos em anos recentes em nossas relações internacionais. É condição essencial para que o Brasil volte a ocupar uma posição condizente neste novo cenário, com o potencial que temos a oferecer. Infelizmente, nenhum dos atuais candidatos parece ter esse perfil.
Temos de admitir que a política externa não tem peso no julgamento dos eleitores e, consequentemente, nos programas dos candidatos, e a gravidade da política interna será mais relevante para quem for eleito, herdando uma situação fiscal que será de difícil solução no curto prazo.
Concluiria ser razoável imaginar que a predominância da esquerda em nossa região enfrentará dificuldades, não apenas na coordenação de suas políticas entre os diferentes países, mas também em como lidar com Congressos divididos.
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ECONOMISTA, É CONSELHEIRO EMÉRITO DO CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DO CONSELHO EMPRESARIAL DA AMÉRICA LATINA
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