segunda-feira, 26 de setembro de 2022

NA CONDENAÇÃO DO VOTO ÚTIL, CIRO GOMES JOGA A COERÊNCIA ÀS FAVAS

Rudolfo Lago, Congresso em Foco

“As pesquisas mostram que eu ganho com folga de Haddad e de Bolsonaro no segundo turno. Mas, para isso, eu preciso do seu voto no primeiro turno”.
Em 2018, era assim que o candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, se dirigia ao eleitorado antes do final do primeiro turno. Baseado em pesquisas que apontavam que ele, ao contrário de Fernando Haddad, do PT, poderia bater o então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, no segundo turno, Ciro pedia aos eleitores exatamente aquilo que agora o exaspera: o voto útil.
Veja o que dizia Ciro Gomes em 2018: Um argumento que, há época, conquistou eleitores. No debate que fez com Ciro Gomes em maio, o humorista Gregório Duvivier admitiu-se como um exemplo. Em 2018, votou em Ciro exatamente por julgar à época que ele teria melhores condições que Haddad de vencer Bolsonaro.
E é justamente por essa mesma razão que Duvivier afirmou naquele debate que agora não votaria em Ciro. A menos de uma semana das eleições, as pesquisas apontam que agora há uma chance de o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, liquidar as eleições já no primeiro turno. E, diante dessa perspectiva, Lula vem pedindo a eleitores de Ciro algo semelhante ao que ele pedia em 2018: que virem seus votos de modo a liquidar logo a fatura.
Ao reagir com veemência agora ao voto útil, Ciro Gomes busca votos para si. Mas, ao fazer isso, joga às favas a coerência.
O raciocínio que ele achava legítimo em 2018 não tem diferença nenhuma para o raciocínio que ele agora combate e chama de fascista. Em 2018, Bolsonaro era um candidato de direita, mas não necessariamente um candidato antidemocrático. Isso não era algo testado na prática. Quem o conhecia mais de perto, já temia que ele pudesse vir a imprimir rumos antidemocráticos e autocratas no seu governo. Mas esse era somente um temor. Quatro anos depois, os arroubos antidemocráticos e a ameaça autocrata foram algumas vezes constatados na prática. Exemplos de tentativas desse tipo, ao questionar a legitimidade das eleições, ao pregar contra o Supremo Tribunal Federal (STF), estão em guias que apontam para o risco das autocracias que minam os regimes democráticos por dentro, como o livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.
A esse respeito, o próprio Steven Levitsky, em entrevista ao programa Roda Viva, perguntado sobre o risco de levar a eleição para o segundo turno, respondeu: “O melhor caminho é tirar Bolsonaro no primeiro turno”. Para o professor norte-americano, optar por levar a eleição para o segundo turno seria “uma estratégia arriscada”.
Ou seja, o risco que em 2018 era uma suspeita aparentemente tornou-se mais concreto diante das palavras e ações de Bolsonaro em seu governo. “Uma das primeiras coisas que a maioria dos autoritários reeleitos em uma democracia tentam fazer, como Bolsonaro ou como o Trump tentou fazer, é obter controle sobre o Judiciário, o Ministério Público e os juízes do processo democrático. Uma vez que você consegue controlar os juízes, pode começar a usar a lei para enfraquecer oponentes e virar o jogo a seu favor”, disse Levistky no Roda Viva. Bolsonaro já andou ventilando a vontade de alterar a composição do STF, aumentando-a para 15 membros.
Ou seja, se em 2018 Ciro Gomes apresentava-se como alguém capaz de evitar os riscos da eleição de Bolsonaro, se esses riscos de fato existiam eles se tornaram muito mais concretos agora diante de uma perspectiva de reeleição, de acordo com alguém que estudou profundamente o comportamento de autocratas. O principal argumento de Bolsonaro diante da desvantagem eleitoral que enfrenta é tentar contestar o sistema de votação, exatamente como Donald Trump fez nos Estados Unidos. Muito mais fraco será esse argumento se a eleição vier a ser definida no primeiro turno.
De acordo com a pesquisa do Ipec divulgada nesta segunda-feira (26), a possibilidade de Lula vir a conseguir vencer no primeiro turno é real. Com 48% das intenções de voto, Lula teria hoje 52% dos votos válidos.
Ou seja, o argumento é exatamente o mesmo usado por Ciro em 2018, em um cenário de muito maior concretude. Se em 2018, Ciro se apresentava claramente como alguém que poderia bater Bolsonaro, agora Lula aparece como alguém que pode derrotar o atual presidente logo no domingo.
Assim, o que hoje exaspera Ciro poderia ter exasperado Haddad em 2018. E até houve mesmo à época quem criticasse no PT o candidato do PDT por isso. Das duas uma: ou o discurso era errado nas duas vezes ou nas duas vezes fazia sentido. O resto é Ciro Gomes mudando de discurso ao sabor das ondas.
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