A pandemia nos parecia a gota d’água no nosso desembestado carrossel existencial. Daí a guerra na Ucrânia ampliou o pandemônio geral, provocando a busca de refúgios em tempos políticos sombrios. Ler é um deles.
Estou lendo sobre dois dos maiores gigantes da literatura alemã, Thomas Mann (1875-1955), alemão e Stefan Zweig (1881-1942), austríaco. Não ouso entrar nos meandros dos livros e textos daqueles autores, mas em certos contextos nos quais o Brasil está presente. Pouco mais em Stefan que em Thomas.
Minha preocupação é biográfica no aspecto preciso dos ambientes trágicos – social e individualmente que marcaram aqueles escritores e no que nosso país guarda relação importante com eles. Thomas Mann nunca esteve no Brasil mas leu Gilberto Freire e apreciou, esteve com Sergio Buarque na Alemanha e com Erico Veríssimo nos EUA. Stefan Zweig veio duas vezes ao nosso país (1937 e em 1940).
Ambos vivenciaram e foram impactados por duas guerras e pela questão do antissemitismo (na pele, caso de Stefan e por reação política, em Mann). Curiosamente o Brasil cruzou o caminhos desses dois gênios.
Julia da Silva Bruhns era mãe de Thomas Mann, brasileira e a figura marcante para os filhos se projetarem nas letras e nas artes. Ao perder o pai Julia pegou Mann e os outros quatro filhos e se mandou para Munique, resolvendo morar em um bairro boêmio. Stefan Zweig e Thomas Mann foram perseguidos pelo nazismo. Mann também foi perseguido nos EUA por ser considerado comunista.
Zweig veio com esposa Friderike Maria Mann para o Brasil (Petrópolis) em junho de 1940, e Thomas dirigiu-se aos EUA (mas na América sucedeu o que já havia acontecido na Alemanha: o cancelamento da cidadania, desta feita por força do macartismo. Mann perdeu suas duas irmãs e um filho, via suicídio. Stefan e esposa também optaram por esse desenlace, morrendo juntos e de mãos dadas em Petrópolis no dia 12 de fevereiro de 1942. Não suportaram as notícias da guerra e da família judia no nazismo.
Nesses grandes escritores românticos tardios os impactos dramáticos por eles vivenciados – de terror e perseguição, sofrimento não suprimiram a esperança e a capacidade de resistir contra todas as forças de barbárie.
Ambos escreveram sobre Freud e Nietzsche, mergulhando em busca compreensiva da complexa teia que é a natureza humana. O quadro de Mann e Zweig é o do testemunho vivo diante de um mundo no qual duas guerras mundiais foram deflagradas, duas derrotas de seus povos (Hitler era austríaco), dois exílios sem retorno. Dois homens diante do Absurdo absoluto. Experimentaram a esperança em Weimer e o horror de Hitler. O que diriam hoje ao constatarem que o protofascismo renasce em todo o mundo?
De seus lutos e amor à humanidade Mann e Zweig extraíram o tempo para nos deixar livros cada vez mais atuais em momentos de emergência da Peste ou do Ovo da Serpente. Mann com a “Montanha Mágica”, “Doutor Fausto”, “O Eleito” entre tantos outros e Zweig com uma riquíssima e quase inumerável lista de brilhantes livros sobre filosofia, grandes da literatura, história, psicologia, inclusive o que escreveu no Brasil (“Brasil, país do futuro”).
Importante para rememorar que este Brasil é grande e capaz de afastar o vírus totalitário.
Ler e procurar entender os sentidos de vida e o papel de intelectuais públicos, hoje tão raro fora dos limites daqueles forjados nas mídias e no irresistível e sinuoso caminho profissional: ou pensam sofisticadamente e tornam-se um a mais entre os intelectuais da autoajuda. Eis o sentido vivo de Thomas Mann e Stefan Zweig.
– Edmundo Lima de Arruda Jr
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