sábado, 24 de setembro de 2022

O MANDATÁRIO ACIDENTAL

Carlos José Marques, ISTOÉ

Foi um show de patetices. Bolsonaro em Londres e nos EUA, para compromissos oficiais que, evidentemente, nada tinham a ver com a agenda de candidato, causou desprezo e indignação a todos que ali presenciaram o seu desempenho no figurino de um político raso e desesperado em campanha. Era inacreditável: no funeral da rainha, numa cidade tomada pelo luto e comoção, o apedeuta do Planalto resolveu fazer comício para meia dúzia de fanáticos seguidores, bajuladores de “mito”, que estavam de campana diante da embaixada. Nada por acaso, Bolsonaro mostrava estar em mais uma de suas andanças por bolsões de voto à cata dos apoios. Local errado, hora errada, discurso sem pé nem cabeça, ele definitivamente parece não entender o papel que lhe é devido em ocasiões como essa.

 O espetáculo bizarro, inominável, provocou reações até dentre transeuntes ingleses, que passavam por ali e pediam respeito ao momento vivido. Foram escorraçados pelos radicais aos gritos de “esquerdistas”. A entourage do bolsonarismo tacanho não encontra mesmo limites ou senso. O presidente em pessoa jamais passou de uma caricatura mal feita de chefe da Nação. Restou a chacota global. O representante brasileiro, não satisfeito, cometeu gafes em sequência a cada cerimônia. Na audiência com o rei Charles III, que havia acabado de perder a mãe, chegou aos sorrisos, dando tapinhas no braço do monarca — algo completamente fora do protocolo, que não permite tocar na figura real. 

Nas ruas, tripudiou em esquetes para suas redes sociais sobre o preço dos combustíveis ali, não entendendo a distância abissal do custo de vida entre os dois países. A pantomima dos horrores no Reino Unido se estendeu, depois, para Nova York, parada a seguir do mandatário acidental que teria de fazer o tradicional discurso de abertura dos trabalhos da ONU, uma deferência historicamente reservada à autoridade brasileira. Novo vexame, causando vergonha alheia a cada compatriota. Bolsonaro deve ter confundido o momento como mais um daqueles do horário eleitoral gratuito, onde vale tudo de lorotas, tendo por audiência a população do planeta.

Atacou o maior adversário da corrida política e seu partido PT, levantando temas e promessas de campanha, falou mundos e fundos de supostas realizações, pintou um cenário colorido da gestão e ainda arranjou tempo para relatar a adesão que recebeu na passeata criminosa do Sete de Setembro. Ninguém ali estava interessado, os participantes da plateia e espectadores remotamente não tinham nada a ver com aquilo. Faltou alguém lhe dar um “semancol”. Lá fora, nos prédios da Big Apple, projeções contra Bolsonaro traziam menções de “vergonha brasileira”, “mentiroso”, “desgraça” e por aí afora. À noite, no icônico Empire State Building, a expressão “Tchutchuca do Centrão” foi estampada, gerando dúvidas nos locais americanos sobre o significado. Era mais um deprimente momento de conspurcação dos brasileiros. 

Talvez nunca na história nacional um chefe de Estado tenha sido tão ridicularizado — por asneiras indiscutíveis, diga-se. Fazer da Assembleia Geral da ONU um palanque eleitoreiro chocou muitos representantes estrangeiros que já o tratavam como um pária. A comunidade global, observadores de todas as vertentes e embaixadores foram assim sacramentando a visão de um País que se apequenou, reduziu o seu protagonismo no concerto das nações, passando ao status de mera republiqueta, cuja representatividade secundária, quase cômica, a deixa incapaz de ser levada a sério. De uma maneira ou de outra, nesse momento e sob o atual comando, o Brasil dá sinais de ter perdido a sua habitual condição de porta-voz dos países em desenvolvimento. Como não poderia deixar de ser, o direto responsável pela façanha no downgrade de prestígio é o capitão em pessoa. 

Na ONU, como um nanico diplomático, Bolsonaro realizou um discurso ao estilo fascista, misturando ideologia de gênero e um pastiche de frases de ditadores de outrora. No hiato de três dias, entre o salseiro britânico e a fantasiosa ode de platitudes do discurso na etapa nova- iorquina, o presidente reiterou as razões que o levaram a ser tão desinteressante e desprezível aos olhos de seus pares. Propostas para os assuntos capitais que inquietam o mundo, como o do conflito na região da Ucrânia? Nenhuma, a não ser o insinuado apoio às movimentações de Putin, em completa disparidade com o consenso geral. 

Em síntese, foi, por assim dizer, um road show fracassado – algo que era previsto até pelos mais otimistas membros de seu governo – e o candidato-presidente, que tentava angariar algum prestígio nas rodas internacionais para usar de mote internamente, chega à reta final do sonhado projeto de reeleição marcado como alguém completamente despreparado para o cargo. Deu mais um tiro no pé e não agregou nada de substantivo ao currículo. Insultos ao luto inglês, churrascada para bradar o lema de “imbrochável” enquanto desprezava e cancelava audiência marcada com o secretário-geral António Guterrez fizeram parte do enredo da patacoada. A dúvida que resta: como planeja mobilizar engajamento fora da rede de fiéis com essa série ininterrupta de incidentes? Nem os marqueteiros explicam.

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