As desgraças são desgraçadas, não as desejemos nem deixemos de tentar evitar que se repitam. Na Covid-19, por exemplo, houve grande avanço na tecnologia das vacinas. É claro que o custo das vidas que se perderam ou das sequelas que ficaram foi altíssimo em valores humanos.
Quando as condições de trabalho dos cientistas no Brasil tinham levado ao exílio um grande número deles, insisti no esforço para promover o retorno dos cérebros ao País. E, quando fui Presidente da República, aumentei várias vezes o investimento em ciência, tecnologia, inovação, dei apoio irrestrito aos programas do CNPq e ao CAPES. A ciência floresceu em grandes avanços e datam daqueles anos importantes marcos em sua história no Brasil
Também acredito na força da cultura para formar um país poderoso e sedimentar o sentimento nacional. Daí ter insistido durante anos na apresentação de um projeto de lei de incentivo à cultura, finalmente convertida na Lei Sarney. Depois, por política, a transformaram na Lei Rouanet, que precisa mais do que nunca ser promovida e ampliada. Com o incentivo, a cultura surge forte, se exprimindo na recuperação do patrimônio histórico e artístico, no cinema e no teatro, no livro e na leitura, nas artes plásticas e na museologia, na música erudita e na música popular, nos arquivos e nas bibliotecas, na promoção do patrimônio imaterial e no artesanato.
Nesses anos desastrosos em que aconteceu a pandemia de Covid-19, o Brasil continuou um movimento que há muito precisa ser contido, o da passagem de nossa força de trabalho para a informalidade. Os números são espantosos.
A população em idade ativa é de 173 milhões, dos quais 65 milhões estão “fora da força de trabalho”, que é a soma dos que estão incapacitados, dos que desistiram de procurar trabalho — “desalentados” — e dos que se ocupam de tarefas domésticas. Entra em “desalentado”, para o IBGE, quem está desempregado e não procura emprego há mais de um mês.
Dos 108 milhões que sobram, 10 milhões são “desocupados”, as pessoas que procuram trabalho ativamente e não encontram. Os que encontram se dividem em dois grupos: o do mercado formal, com 59 milhões de empregados, e o do mercado informal, com 39 milhões de trabalhadores.
Portanto estão fora do sistema previdenciário esses 39 milhões de “informais”, mais os 10 milhões “desocupados”, mais os 65 milhões que não são contados, ou seja, 104 milhões de pessoas em idade ativa, comparados com os 59 milhões que têm a oportunidade de participar da Previdência.
Pois nos 39 milhões que estão na informalidade surgiu uma revolução: a dos artesãos. Por toda parte encontramos pessoas fazendo coisas com as próprias mãos. É claro que o nicho que ocupam é dos objetos que não são feitos pela indústria, e nesses o maior espaço é para as representações populares, que vai da renda à imagem, da cuia à roupa típica. São expressões culturais que precisam ser protegidas e incentivadas.
Essa revolução não é como a dos Alfaiates, que reuniu no fim do século XVIII os artesãos da Bahia em busca da independência de Portugal. Mas é uma revolução que procura uma saída para a sobrevivência.
Na idade média, as cidades que se tornaram potência econômica contavam com a força dos artesãos, dos “ofícios”. Foi a partir desta força que surgiram os primeiros direitos sociais, com a implantação dos horários de trabalho, marcados por toques de sino. Hoje os artesãos continuam dando uma importantíssima contribuição à sociedade, e a sociedade precisa encontrar meios de dar a eles a plenitude dos direitos sociais inscritos na Constituição.
Num tempo em que a situação política dos anos se complicou, na Tribuna de Imprensa, onde ajudava Carlos Lacerda, perguntei-lhe: — “Carlos, qual o tema do seu artigo hoje?”
Respondeu: — “O tempo está tão escuro que vou escrever sobre assunto caridoso: a sociedade protetora dos deficientes.”
É caridoso e atual.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras
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