segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O BASTA DE MALAN, ARMINIO, FRAGA E BACHA

Elio Gaspari, O GLOBO

Nota dos quatro economistas é um documento histórico e recupera um momento emocionante de 1976 da história do país

A nota dos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha antecipando seus votos no segundo turno de eleição presidencial é um documento histórico. Teve apenas uma frase de 14 palavras: “Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia.”

Os quatro perderam parte da juventude na ditadura. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (e de Itamar Franco), fizeram o Plano Real, que devolveu ao país o valor da moeda.

Para quem associa ditaduras a desempenhos, vale lembrar que, ao fim de 1984, o regime se acabava com uma inflação de 215% e o país na bancarrota. Em 1996, ao fim do segundo ano do Plano Real, ela estava em 9,6%. (O posto Ipiranga de Jair Bolsonaro fechou 2021 com 10%.)

É possível que algum deles já tenha votado em candidatos do PT, mas não em Lula. Votarão nele porque defendem a democracia.

O gesto do quarteto recupera um momento emocionante ocorrido no início da manhã ensolarada de 23 de agosto de 1976, quando o marechal Cordeiro de Farias, amparando seus 75 anos numa bengala, entrou em silêncio no saguão da revista Manchete, onde velava-se o corpo de Juscelino Kubitschek. Patriarca das revoltas militares do século XX, Cordeiro sabia o que estava fazendo. Em Brasília, o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentava convencer o presidente Ernesto Geisel a não decretar luto oficial. Não conseguiu.

Bolsonaro coleciona o apoio de máquinas, o quarteto ofereceu a Lula o peso de suas biografias. O PT nada tem a lhes oferecer, senão, como lembraram, uma “condução responsável da economia”.

Vindo de economistas, os argumentos do quarteto em defesa da democracia podem parecer coisa de sonhadores. Contudo, eles informam que as ditaduras arruínam economias. Ganha um fim de semana em Caracas quem não acredita nisso.

Paul Samuelson (1915-2009), o grande economista americano sabia disso quando tratou do Milagre Brasileiro na edição de 1973 de seu clássico “Economics”.

Ele escreveu:

“Quando se olha para o Anuário Estatístico da ONU, verifica-se que nos últimos anos o Brasil foi um verdadeiro Japão na América Latina, com taxas médias anuais de 10% de crescimento do PNB. A história mostra que é raro os despotismos benevolentes persistirem na benevolência e quase nunca conseguem manter-se eficientes (...) Na vida real, o fascismo é incapaz de realizar até mesmo seu próprio projeto. (...) Mais entristecedor é testemunhar o sucesso econômico ocasional de tais regimes ditatoriais — coisa de curto prazo.”

A editora brasileira de Samuelson pertencia ao banqueiro Cândido Guinle de Paula Machado. (Ele entregaria seu banco por um valor simbólico, mas essa é outra história.)

Foram mobilizados dois renomados economistas (Eugênio Gudin e Roberto Campos) para convencer Samuelson a cortar a referência. Os dois toparam e escreveram ao professor.

Não era necessário, pressionado pela editora, Samuelson reescreveu a referência ao Brasil edulcorando-a.

Resultado: os americanos, que estudaram na edição do “Economics”, foram avisados em 1973 que o Brasil podia quebrar. Os brasileiros micaram, e o Milagre se acabou em 1982.

Martelo batido

Está batido o martelo: as multinacionais do agronegócio, bem como os grandes operadores desse mercado, vão se comprometer a não comprar soja de áreas desmatadas do cerrado brasileiro a partir de janeiro de 2025.

O compromisso será anunciado na próxima reunião da COP-27, que se realizará no Egito, em novembro. É um tiro de dezenas de bilhões de dólares nas exportações de soja do cerrado.

Como a data para o embargo afeta terras que venham a ser desmatadas a partir de janeiro de 2025, a iniciativa poderá resultar numa corrida às derrubadas legais nos próximos dois anos.

Cozinha-se nas discussões ambientais da Europa um compromisso retroativo, pelo qual o embargo poderá ser estendido até mesmo a terras desmatadas legalmente a partir de 2020.

O fundamentalismo e a inação do governo brasileiro — um orgulhoso pária — joga uma parte do agronegócio no colo dos compradores chineses. Como se viu há um ano no caso das proteínas animais, os compradores da China serão presenteados com um mecanismo pelo qual poderão invocar medidas de proteção ambiental para barrar navios com soja. Basta que se possa alegar que há soja maldita na carga.

As Panteras de Lula

Numa campanha eleitoral marcada pela falta de senso de humor, é um refrigério gastar alguns minutos com “As Panteras de Lula”, do baiano Zel Júnior, de 24 anos, que se define como “gay, nordestino e periférico”. Ele vive na Zona Leste de São Paulo.

Acusado de ter gasto mais de R$ 200 mil na produção da peça, Zel informou que gastou menos de R$ 100. Numa entrevista a Letícia Leite, ele contou que fez seu primeiro vídeo em 2017. Zel produz, edita e faz figurinos. Começou a trabalhar “As Panteras” no ano passado. Com ele, a atriz Jade Mascarenhas, de 23 anos.

Zel conseguiu uma curta participação especial do próprio ex-presidente no seu vídeo.

Os vídeos de Zel esbanjam irreverência, talento e bom humor.

O banqueiro com Cabral

A editora florentina Olschki acaba de publicar “La Divina Commedia di Antonio Maria Esposito”. Um livro esquisito de um autor mais esquisito. Antonio Esposito (1917-2007) foi um sacerdote italiano que fazia miniaturas de presépios e paisagens. Seu menor presépio foi criado numa semente de cânhamo e tem 2,8 milímetros por 1,8. Esposito ilustrou a Divina Comédia de Dante Alighieri dentro de 42 cascas de nozes.

A casa Olschki surgiu em 1863, tem canal na rede, funciona numa propriedade renascentista a poucos minutos de Florença e publica livros sobre tempos passados. Por exemplo: em 2014, Olschki publicou “Bartolomeo Marchionni —Homem de Grossa Fazenda (1450-1530)”, do professor Francesco Guidi Bruscoli.

O mercador Marchionni foi o homem mais rico de Lisboa na virada do século XV para o XVI. Trabalhava para banqueiros florentinos. Traficava escravos tártaros e negros da Guiné, comercializava especiarias da Índia e açúcar da Ilha da Madeira. Entre 1486 e 1493, traficou 3.586 escravizados com um lucro de 30%. Emprestava dinheiro aos reis e teria conhecido tanto a Cristovão Colombo quanto a Leonardo da Vinci.

Marchionni financiava navegadores e em 1500 bancou como sócio a empreitada do navio Anunciada, da frota de Pedro Álvares Cabral. Em 1501, ele falava do “novo mundo” que Cabral encontrou.

Pouco depois, Marchionni teria intercedido para que Amerigo Vespucci embarcasse na frota que seguiu para a Terra dos Papagaios. Vespucci percorreu a costa brasileira e suas descrições levaram um cartógrafo alemão a chamar o continente de América.

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