quarta-feira, 12 de outubro de 2022

SEGURO CONTRA CASUÍSMOS

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo

Jair Bolsonaro não é um presidente sério. Suas propostas têm invariavelmente o propósito de beneficiar a si, sua família e seu grupo e de livrá-los dos freios e contrapesos da democracia, quase nunca o de aprimorar as instituições. A ideia de ampliar o número de magistrados no STF não é uma exceção.

A mudança serviria basicamente para catapultar os poderes do presidente de turno (isto é, ele), que teria a oportunidade de criar uma corte para lá de amigável, que carimbaria todas as suas decisões, e prolongar essa composição no tempo (quanto mais jovens os ministros indicados, mais anos ficariam no cargo). A fórmula não é nova, já tendo sido utilizada por autocratas à esquerda e à direita.

Não é por outra razão que vários juristas se prontificaram a desqualificar a ideia, classificando como uma violação ao princípio da separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição. Isso significa que o Congresso não poderia nem mesmo deliberar sobre uma PEC com esse teor (CF, art. 60). Não discordo dessa avaliação, mas confesso que tenho um certo receio da estratégia jurídica de blindar a Carta contra mudanças indesejáveis esticando ao máximo a noção de cláusula pétrea.

Precisamos, é óbvio, proteger a Constituição de ataques, mas também não podemos inviabilizar toda e qualquer mudança mais profunda. Os cidadãos de amanhã não podem ficar para sempre presos às decisões do constituinte do passado. Se assim fosse, o Código de Hamurabi ainda estaria em vigor.

Minha sugestão é que criemos travas temporais para reformas que alterem mais do que topicamente o relacionamento entre Poderes. O Congresso até poderia votar uma grande reforma, mas ela só passaria a vigorar oito ou dez anos após a aprovação. E esse intervalo mínimo seria, ele sim, considerado uma cláusula pétrea. Seria um ótimo seguro contra casuísmos, além de evitar potenciais conflitos entre Legislativo e Judiciário.

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