Segundo uma lógica peculiar, avatares amarelos e embandeirados estão lutando por democracia enquanto clamam por um golpe
Receio que os próximos quatro anos não sejam, no Brasil, de embate entre progressistas e conservadores, mas entre os que optaram por viver na metáfora e os que embarcaram, de mala e cuia, rumo ao metaverso.
Metáfora — aprendemos no ensino fundamental — é algo dito em sentido figurado. Não para levar ao pé da letra. Mais ou menos como os votos na cerimônia de casamento e as “imagens meramente ilustrativas” das embalagens e cardápios.
“Vai ter picanha e cerveja”, “Vai todo mundo namorar” e “Pobre vai voltar a andar de avião” já se tornaram — passadas as eleições — promessas metafóricas. E metáfora, conforme ensinou Gilberto Gil, é “fazer com que na lata venha a caber o incabível”.
Na lata do orçamento não cabem picanha na mesa do pobre e cerveja no seu freezer, nem remanejamento das filas de rodoviária para o check-in dos aeroportos. Namoro para todo mundo é bem mais factível, ainda que metade da população tenha deixado de ser elegível para o posto de parceiro/a/e. Talvez a responsabilidade fiscal e o fim do orçamento secreto também sejam metáforas — logo saberemos.
Os retirantes para o metaverso enfrentarão a dificuldade adicional de ter de entender onde se meteram. Este, mal sabem, é um mundo virtual, que tenta replicar a realidade — mas está longe de ser real.
Nesse “Second Life” tabajara, o comunismo foi ressuscitado como arqui-inimigo. Logo ele, que só sobrevive, com modelo híbrido, na China e no Vietnã, e se mantém, com ajuda de aparelhos, no Laos, na Coreia do Norte e em Cuba.
Segundo sua lógica peculiar, os avatares amarelos e embandeirados estão lutando por democracia enquanto clamam por um golpe contra o Estado Democrático. Cantam o hino nacional como se fosse uma canção do Carlinhos Brown, sem dar bola para a letra. Se iluminam com “o sol da liberdade, em raios fúlgidos“, ao mesmo tempo que “autorizam” uma ditadura. Exaltam “o penhor dessa igualdade”, querendo impor sua vontade à maioria. Falam “de amor e de esperança” e dá-lhe violência para bloquear estradas e tentar disseminar o caos. Passam por “nossos bosques têm mais vida” como se nada tivessem a ver com desmatamento, garimpo ilegal, desmonte do Inpe. Não se vexam de entoar “se ergues da justiça a clava forte” enquanto erguem a clava forte contra a Justiça. E pulam a “paz no futuro” para focar numa suposta “glória no passado”.
Tanto metafóricos quanto metavérsicos habitam sua própria dimensão paralela. Bolsonaristas tratam como fraude as eleições que perderam. E era querer demais que seu luto acabasse antes da missa de sétimo dia — os petistas, seis anos depois, ainda chamam de golpe o impeachment de 2016 (seria interessante saber se o ministro Lewandowski, que presidiu o processo, entende como metáfora cada vez que esse disparate chega a seus ouvidos).
Depois das patriotadas desta semana, talvez Bolsonaro esteja acabado. Mas, se Lula tiver sido metafórico em suas promessas de conciliação nacional, o bolsonarismo poderá voltar em 2026. E com o destemor e a insensatez de um militonto grudado no para-brisa de um caminhão.
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