No MEC, desespero para pagar bolsas de estudo e livros
Diz a lenda que nem os formuladores do teto de gastos esperavam que o dispositivo fosse aprovado da forma como foi. Conhecedores das artimanhas do Congresso, os técnicos do governo colocaram “gordura” para “queimar” nas negociações, algo usual em discussões assim.
Por exemplo: congelaram as despesas primárias, em termos reais, por 20 anos, contando que o prazo seria cortado para dez anos pelos deputados e senadores. Não foi. O governo “congressual” de Michel Temer, que na época nem sonhava com o escândalo da JBS, estava forte e a proposta foi aprovada sem grandes “desidratações”.
Assim, meio involuntariamente, foi concebida uma regra fiscal que, segundo avaliaram seus próprios criadores à época, 2016, seria difícil de ser sustentada. Os cinco furos no teto durante o atual governo e o grau de dramaticidade e improvisação que se viu em 2022 demonstram que estavam certos.
Para cumprir o teto, a Esplanada dos Ministérios iniciou este mês de dezembro praticamente sem dinheiro para pagar despesas discricionárias. Foi um dos quadros mais duros já enfrentados pela administração pública, segundo se comenta nos escalões técnicos.
No Ministério da Educação, o quadro era de desespero por falta de dinheiro para pagar bolsas de estudo e para encomendar os livros didáticos de 2023, problemas que deram espaço a ataques políticos por parte da equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. A Saúde precisava de recursos urgentes para os hospitais universitários. A Polícia Federal, de dinheiro para emitir passaportes. Havia ainda uma dívida de R$ 5,5 bilhões com organismos internacionais, outro ponto explorado pela equipe de transição.
Ao longo do ano, não foi uma nem duas vezes que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu ofícios da Receita Federal alertando-o para a iminente paralisação do sistema de arrecadação tributária. Como já mostrou este jornal, postos de fiscalização na fronteira estão desguarnecidos à noite por falta de funcionários, num convite ao contrabando.
Essa penúria toda ocorreu com a arrecadação batendo recordes e terminando o ano R$ 216 bilhões acima do previsto. Havia dinheiro, mas não havia autorização para gastá-lo.
O estica-e-puxa para acomodar despesas inadiáveis do governo é sazonal como a chuvarada de fim de ano em Brasília. O ano de 2022 levou os malabarismos a outro patamar.
No início de dezembro, foram editadas portarias que permitiram a Educação, Saúde e outras pastas a retirarem “sobras” orçamentárias de itens de gasto obrigatório para socorrer as despesas discricionárias que ameaçavam colapsar. Até aí, normal. A manobra trouxe alívio, mas não o suficiente para atender a todas as necessidades urgentes.
Em tese, o teto de gastos tem uma válvula de escape. É possível editar créditos extraordinários para realizar despesas acima do limite. Isso vale para eventos imprevistos e urgentes, como uma calamidade. O caráter impreciso do que pode ser considerado imprevisto e urgente é um problema.
O maior pesadelo dos técnicos é assinar uma autorização de crédito extraordinário e depois algum órgão de controle entender que não havia imprevisibilidade ou urgência. A responsabilização nesses casos recai sobre a pessoa, não sobre a instituição.
No entanto, a quantidade de gastos urgentes que se empilhavam no Ministério da Economia pedindo socorro não deixou outra saída. Assim, foi preciso inovar. A Casa Civil consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) para saber se poderia fazer um crédito extraordinário e pagar despesas imprevistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
O sinal verde do TCU serviu como proteção para a área econômica emitir um crédito extraordinário de R$ 7,56 bilhões.
Os benefícios serão pagos fora do teto. Os recursos originalmente da Previdência foram distribuídos para os ministérios mais carentes. Educação e Saúde foram os mais contemplados. Será possível chegar ao dia 31 sem que nenhuma despesa essencial deixe de ser paga.
A dívida com organismos internacionais, por sua vez, foi resolvida com outra novidade: a margem de gastos de R$ 22,9 bilhões aberta este ano pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Outros ministérios foram atendidos, num conjunto de portarias publicado na noite da última sexta-feira, 23, num total de R$ 8,3 bilhões.
Ainda há espaço fiscal e é possível que seja encaixado nele o repasse de R$ 3,9 bilhões para apoio à Cultura da Lei Paulo Gustavo. Um projeto de lei autorizando crédito especial para isso foi aprovado a toque de caixa pelo Congresso. O Ministério do Turismo tem até sexta-feira para empenhar (comprometer) os recursos. O dinheiro propriamente dito só será gasto em 2023, como “resto a pagar” deste ano.
Tudo isso mostra como foi complexo manter a máquina funcionando e, como brincam os técnicos, “todo mundo fora da cadeia” neste ano.
A PEC da Transição estabeleceu que o teto será substituído. A discussão do novo arcabouço fiscal será o mais importante debate do início de 2023.
Se resultar uma regra capaz de convencer os credores do governo de que a dívida pública estará controlada, apesar do forte e permanente aumento das despesas que se decidiu neste final de ano, as chances de retomar o crescimento econômico sustentado estarão dadas. Espera-se que haja condições para se construir essa credibilidade.
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No fim desta semana, encerra-se um período sem precedentes de ataque às quatro linhas “pétreas” da Constituição de 1988: a Federação, a separação de Poderes, os direitos e garantias individuais e o voto secreto, direto, universal e periódico.
O clima é tão ruim que a esta altura estamos debatendo se o presidente eleito deve ou não usar um carro blindado para desfilar no dia da posse. A pergunta é se queremos continuar assim. Ou se vale o esforço para buscar um ambiente mais pacífico, que nos permita ter esperança. Feliz 2023 para todos!
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