A esperança é de que o novo governo seja capaz de manter as conquistas dos últimos anos e de corrigir os disparates promovidos pela gestão Bolsonaro
O presidente Bolsonaro consolidou-se como o principal líder da direita, em particular no que se refere à agenda conservadora de costumes. Nos últimos 40 anos, não surgiu nenhum nome com peso relevante nesse espectro político. Apesar do seu comportamento recluso após a derrota eleitoral e das enormes desavenças com grande parte da imprensa, Bolsonaro tem condições de ocupar a liderança da oposição e, caso decida concorrer, será um forte candidato na eleição presidencial de 2026.
A liderança de Bolsonaro tende a ser ainda mais sólida se o futuro governo não conseguir nos próximos anos entregar uma inflação baixa e um crescimento econômico robusto, com menor desemprego e maior renda para a camada mais pobre da sociedade.
Os governadores eleitos de São Paulo e do Rio Grande do Sul seriam opções de liderança, com a vantagem de efetivos defensores dos preceitos liberais para a economia. Todavia, ambos, em particular o governador eleito de São Paulo, estarão focados, ao menos em 2023 e 2024, nos seus respectivos mandatos e em questões estaduais e, portanto, terão maior dificuldade de promover uma oposição ferrenha ao governo federal nesse período.
O desempenho da economia doméstica durante o governo Bolsonaro - em termos do crescimento e da inflação - foi aquém das expectativas daqueles que julgavam que seria implementada uma ampla agenda liberal. Essa avaliação, porém, precisa ser relativizada à luz da enorme tragédia sanitária dos últimos anos. No acumulado de 2019 a 2022, o crescimento do PIB do Brasil será próximo a 6,5%. Essa expansão não será tão baixa, quando comparada com a variação do PIB de 1% na África do Sul, -1% no México, 20% na China, 7% nos EUA e 3% na Área do Euro. Por outro lado, a inflação ao consumidor acumulada no período de 26% superará os 22% da África do Sul, 22% do México, 8% da China, 18% dos EUA e 16% da Área do Euro.
Apesar de a dívida bruta como percentual do PIB de 88% do Brasil pela métrica do FMI ser muito mais alta do que a da maioria dos países emergentes, sua elevação de 2,5 pontos percentuais (pp) frente ao fim de 2018 foi reduzida. Essa alta foi de 16 pp na África do Sul, 10 pp no México, 23 pp na China, 15 pp nos EUA e 7 pp na Área do Euro, com a dívida bruta alcançando o atual patamar de, respectivamente, 68%, 57%, 77%, 122% e 93%. Em suma, tomando por base apenas esses indicadores, o desempenho da economia do Brasil foi melhor do que o da África do Sul e o do México, mas pior do que o da China e o dos Estados Unidos.
Apesar do desempenho muito aquém do necessário, a agenda econômica do atual governo teve avanços importantes nos últimos quatro anos. O marco do saneamento, por exemplo, que vinha evoluindo desde o governo anterior, avançou de forma significativa. Salvo ajustes específicos para aprimorar a legislação, uma eventual proposta do futuro governo de impor restrições ao modelo atual seria um retrocesso por reduzir a probabilidade de atração de vultosos investimentos para o setor nos próximos anos. Ademais, esse caminho contrariaria a meta do futuro governo de melhoria das condições de vida da população mais vulnerável.
Os processos de desestatização do atual governo tendem, do mesmo modo, a ter repercussões positivas para a economia nos próximos anos. Apesar de as exigências dos parlamentares para a aprovação dessas operações, em particular a da Eletrobras, terem tido impactos negativos e sido muito custosas financeiramente, a desestatização elevará a eficiência da economia e direcionará o empenho do setor público para a área da regulação setorial. Seria positivo se o futuro governo mantivesse esses processos, ao menos em áreas com benefícios diretos favoráveis para os mais pobres.
Embora as renúncias tributárias tenham aumentado, a intervenção do BNDES na economia por meio de subsídios diminuiu neste governo. A instituição vendeu participações acionárias e dedicou maior atenção à preparação dos entes regionais para a venda de concessões, por exemplo, no setor de saneamento. Com a candidatura à OCDE, a atual equipe também acelerou a agenda do governo anterior de redução da burocracia e de melhoria das condições de negócios no país, com novas versões para a Lei de Falência, a Lei das Licitações e o Marco Cambial.
O legado do presidente Bolsonaro embute, porém, contradições. Apesar de suas conquistas, a avaliação dificilmente deixará de ser muito negativa por conta de tantas políticas erradas em áreas cruciais como a da saúde pública, da educação, do meio ambiente e dos direitos humanos. O desmazelo com a saúde pública, em particular durante a pandemia, é inquestionável. A trágica perda de quase 700 mil vidas pela contaminação por covid-19 dificilmente será desassociada da atual gestão. O descaso com a educação pública também foi enorme. O aumento do déficit de aprendizagem de crianças e de jovens durante o longo período sem aulas presenciais na pandemia, frente às metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, terá efeitos negativos no médio prazo em termos de distribuição de renda e de crescimento potencial.
As consequências da equivocada política de meio ambiente do governo Bolsonaro, alavancada pelo discurso de confronto com nações estrangeiras, também trouxe prejuízos, como a menor inserção do Brasil nos fóruns internacionais e a diminuição dos investimentos estrangeiros no país. Finalmente, além do desrespeito contínuo ao direito das minorias, os velados ataques à democracia atraíram receios há muito esquecidos.
A esperança é de que o futuro governo seja capaz de manter as conquistas dos últimos anos e de corrigir os disparates promovidos pela gestão Bolsonaro. Não é uma tarefa, porém, que terá pleno apoio de toda a sociedade, haja vista que não são poucos os que concordam integralmente com as atitudes e decisões do atual governo. Assim, o presidente eleito precisará de muita habilidade para contornar a oposição de parlamentares conservadores no que diz respeito, dentre outras agendas, à pauta dos direitos de minorias.
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