Luís Nassif, um jornalista respeitado, sai em espirituosa e direta defesa do governo (“A conspiração que derrubou o Chefe do GSI”, 20.4.23). Árdua a tarefa do jornalismo em tempos turvos que tumultuam a isenção imprescindível em momentos de guerra de torcidas. Tentar o impossível para atingir o possível, dizia Max Weber.
O grande Nassif esboça com notória destreza uma contra narrativa no caso das imagens do Ministro de Lula, General Gonçalves Dias, no olho do furacão do 8 de janeiro de 2023. Trata-se de general de divisão, três estrelas, e não um “oficial da mais alta patente no Exército”, como coloca Nassif, pois não se trata de general de Exército, ou quatro estrelas. Pouco importa, o inegável é que Gonçalves Dias estava ali, passeando junto aos criminosos naquele fatídica hora dos crimes.
Nassif acredita em engenhosa montagem de imagens e na oportunista manipulação de informações contra o governo, articulada a outras coincidências e interesses em desestabilizar o status quo. Nassif é um incansável crítico e excelente profissional. Pode ter parcelas de razão, ou não. Acertar e errar, como todo humano. Ser passional ou não. O tempo regressivo a todos envolve, ou não?
Jamais a nossa sociedade esteve tão dividida, ressentida, alimentada por ódios entre tribos de todas as cores. Veremos no andar da carruagem o que restará na história no liquidificador das narrativas…
Procedente ou não, os escritos de Nassif sempre viralizam, desdobrando-se politicamente em muitos usos e abusos, o que é preocupante da parte de quem age de boa fé e não acredita e na onda da “pós-verdade”. Há pontos merecendo respostas mais detalhadas na teoria conspiratória de Nassif.
Nassif tem por certo que o furo da CNN foi plantado. Pergunta: para quais propósitos? Por interessados em derrubar o general amigo de Lula, devolvendo a escolha do dirigente da pasta ao Exército, conforme vem ocorrendo desde Temer (e não por normativa jurídica)? Mas o Comandante do Exército, General Tomás Paiva, não é de confiança absoluta do presidente e este o Comandante em Chefe de todas as forças militares?
Afirma Nassif que os vídeos plantados encontravam-se disponíveis desde o dia 8 de janeiro, colocando como grande questão quem permitiu o vazamento. Mas se disponíveis não há sentido em arguir-se do vazamento, ou Nassif considera os vídeos em disponibilidade seletiva: para o governo. Disponíveis para quem ou para qual conspirador de plantão? Não havia uma diretiva da presidência proibindo a divulgação? Se não, por que nenhuma mídia veiculou aquelas imagens em quase três meses? Se a CNN o fez, mérito dela.
O general Gonçalves Dias teria dado, segundo Nassif, “explicações verossímeis”. Intuitivamente lá se encontrava o general no palácio, num domingo, duas horas antes do vandalismo botar os pés no prédio esbulhado. Heroicamente e desarmado, impediu os criminosos de subir ao terceiro andar, o gabinete presidencial, segurando os criminosos no segundo piso (onde seriam presos segundo o mesmo general (?) e conduzindo-os às portas de retirada. Pergunta: com que força o general logrou conter a massa enlouquecida quebrando tudo?
Mas Nassif deduz que o ato conspiratório que derrubou o general deve ser observado diante de estranhas coincidências que sugerem uma articulação, envolvendo:
• “As invasões de escolas, com jovens desequilibrados sendo estimulados a assassinar alunos.
• A convocação do ex-chefe da ABIN, general Augusto Heleno, ex-Ministro do GSI, pela Assembleia Distrital do DF.
• A visita de Lula à China e suas declarações de aproximação com China e Rússia”.
Nada mais contrafático nas articulações da queda do General com os fatos acima elencados por Nassif. Vamos a cada uma dessas “coincidências”. São três eventos distintos e divorciados em vários níveis, inclusive no político. Os ataques à escolas quando “ideologizados”, implicam numa distorção na qual embarcou até o Ministro da Justiça e da Segurança. Resta medir o quanto doenças mentais são “estimuladas” pelo quadro geral de violência (muito antigo e que perpassa governos e países distintos) e suas correspondências com o neonazismo ascendente.
De fato a suástica nazista e adesões a grupo supremacistas estão presentes no imaginário de assassinos em colégios, fora do Brasil, embora sem organicidade real com grupos terroristas. No caso de Blumenau é forçar demais a barra e já escrevi sobre aquele infeliz discurso de Flavio Dino.
A convocação do General Heleno para depor já vem tarde e é de interesse da democracia e do governo que derrotou Bolsonaro e continua na legítima luta de isolar os bolsonaristas. Hoje as Forças Armadas, se Lula mantiver a postura de estadista e não de atiçador irresponsável, encontram-se bem harmônicas, mesmo aliviadas com os usos ilegais de militares (ministros em plena ativa) e com uma excessiva mistura de política no meio corporativo.
Sobre a coincidência com a ida de Lula à China, de fato ela esboça um certo alinhamento do Brasil àquele país (e de alguma forma com a Rússia), causando surpresa e preocupação em públicos bem mais alargados que o da oposição bolsonarista. E daí?
O artigo de Nassif dispensaria esse apelo às coincidências articuladas com o que toma como “conspiração” contra o Chefe do GSI, e restaria menos fabuloso. E há se registrar as tagarelices dos sem noção, aqueles que seguem os que de fato produzem opinião pública, inconsequentes que somente servem ao entorpecimento geral.
É o caso de Malu Aires, uma brilhante cantora mineira que se autodenomina militante política. Na esteira de Nassif o extrapola, segundo suas convicções, considerando toda a mídia brasileira como nazista e a CNN e Globo News como “cabide de empregos de bolsonaristas”. O que seria de Hitler sem Goebbels ou Stálin sem Béria? Papagaios e baba-ovos de seus ídolos.
De Nassif espera-se que as peças do seu “quebra-cabeças” ajudem a contrapor argumentos no xadrez dos fatos em si e de jornalistas sérios (que não são nazistas, fascistas ou sequer do campo da direita), necessariamente, a exemplo de William Waack, entre muitos outros. Agora um parêntese para os efeitos perversos do texto de Nassif.
O artigo não nominado de Malu e outros nesse grau de simplificação, ajudam, em grande medida, a dissolver contribuições de jornalistas no nível de Nassif, do qual podemos discordar, mas sempre levar em consideração no debate público.
Aguardemos as averiguações dos fatos com duplo cuidado: a) com a guerrilha de narrativas: separando o que é retórica estratégica centrada no maniqueísmo lulismo/bolsonarismo; b) com o que nos é ofertado por fontes isentas e fidedignas de informações. Algo muito difícil diante de certa paralisia cognitiva alimentada por todos os protagonistas (não se enganem), mas possível para os quixotes do século XXI.
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