quarta-feira, 26 de abril de 2023

O JOGO COMEÇA NO CONGRESSO

Vera Magalhães, O Globo

Há um elemento essencial para entender para onde este Legislativo caminhará, e ele se chama Arthur Lira

O jogo começa para valer no Congresso para o novo governo nesta semana. A leitura do requerimento da CPMI do 8 de Janeiro, a votação do Projeto de Lei das Fake News e o início da tramitação do Projeto de Lei Complementar do marco fiscal, tudo ao mesmo tempo agora, testarão o poder de articulação do Planalto diante de um Parlamento cuja conformação ainda está sendo definida.

Há um elemento essencial para entender para onde este Legislativo caminhará, e ele se chama Arthur Lira. É crucial para Lula, hoje, contar com a boa vontade do presidente da Câmara. Ela é capaz, como se viu ontem, de rapidamente definir uma queda de braço, a ponto de deixar a ver navios uma concertação entre o bolsonarismo e as big techs contra o PL das Fake News em menos de 24 horas.

Se Lira ajudar, também será possível ao governo tirar o PL de Bolsonaro dos postos de comando da CPMI e correr com o arcabouço fiscal. Para isso, o presidente da Câmara se preparou e desenhou rapidamente como precisaria se rearticular depois de obstáculos como o fim do orçamento secreto e a queda de braço com Rodrigo Pacheco pelo controle das medidas provisórias.

Criou um blocão capaz de neutralizar o PL como maior partido da Casa que preside e reduziu o poder de fogo do bolsonarismo, por ora, à gritaria para as redes sociais nas comissões.

Isso é ouro para um governo que, sozinho, não conseguiu construir maioria. Lira vislumbrou que a velha engenharia de dar ministérios para obter maioria congressual estava superada. É na gestão do Orçamento que se constrói a governabilidade, e essa lógica não mudou com a troca da rubrica das emendas de RP9 para RP2. O governo já entendeu que terá de negociar uma liberação rápida e mediada desses recursos para contar com o apoio de Lira na tramitação de suas pautas.

Lira está disposto a oferecer uma degustação do que pode proporcionar em termos de conforto legislativo se seus pleitos forem atendidos. Se conseguir emplacar André Fufuca (PP-MA) na presidência da CPMI, tirando de cena o xará estridente bolsonarista André Fernandes (PL-CE), terá tocado música para os ouvidos de Lula.

Mas, dando essa colher de chá ao governo, será que o presidente da Câmara gostaria de ver seu inimigo público número um, Renan Calheiros (MDB-AL), com a caneta e os holofotes de relator? Ou será mais provável que faça o Planalto ver que uma mão lava a outra, e as duas juntas são capazes de recolocar o bolsonarismo no cercadinho?

A atuação de Lira mostra uma diferença na conformação do novo Centrão na Câmara, que ensaia cortar o cordão umbilical com Bolsonaro com tranquilidade, e no Senado, que tem na “paixão” declarada de Ciro Nogueira (PP-PI) pelo ex-presidente um sinal de que poderá dar mais trabalho ao governo. Principalmente porque lá Rodrigo Pacheco (PSD-MG) enfrenta mais oposição que o alagoano na Casa vizinha.

Diante de tanta coisa em jogo ao mesmo tempo, é espantoso que Lula se alongue no giro europeu, com decisões cruciais, como o novo desenho do Gabinete de Segurança Institucional e a escalação dos integrantes da CPMI, aguardando sua volta.

A oposição pode ser um fator de desestabilização do governo se o Planalto não construir essa maioria mediada por Lira e deixar avançarem estratégias como a inversão da narrativa da responsabilidade pelo 8 de Janeiro.

Ela ameaçou colar, enquanto o Executivo ainda estava mais aturdido que o general Gonçalves Dias nas tais imagens do dia da invasão. Quando recobrou a iniciativa, o governo trouxe para a roda quem de direito, o general Augusto Heleno, maior executor dos avanços bolsonaristas sobre as instituições. Mas levou dias para a ficha cair. Sem comando próximo e vigilante, outras bolas como essa podem passar. E nem sempre Lira estará lá para defender. E nunca será de graça.

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