Haddad sentiu o golpe, mas não deu o braço a torcer e culpou STF e Congresso
Nem parecia o mesmo Fernando Haddad. Ar cansado, contrariado, impaciente e, enfim, mal-humorado, o ministro da Fazenda disse a jornalistas que prometeu déficit zero em 2024, mas sabe-se lá se vai cumprir. E não concordou nem discordou do chefe Lula, que lhe passou uma rasteira e anunciou o fracasso da promessa antes de discutir com ele os vários ângulos de uma questão tão sensível. Pior: no fim do ano, com Haddad correndo contra o tempo para aprovar suas pautas no Congresso.
Sem ter como atacar o presidente, contar a verdade e apontar o dedo para o chefe da Casa Civil, Rui Costa, Haddad descarregou a culpa – ou a raiva? – no Congresso e no Supremo. Segundo ele, não foi Lula quem sabotou o País, foram os dois outros Poderes, que, desde 2017, vêm insuflando privilégios para empresas e secando a arrecadação federal.
“A estimativa de arrecadação não está se confirmando, mesmo com o PIB crescendo”, reclamou. Mas não assumiu a culpa, que jogou em fatores já conhecidos quando levantou a bandeira do déficit zero: juros, “ralos tributários”, “erosão da base fiscal do Estado” e duas decisões de seis anos atrás: o Congresso criou uma brecha que aumentou subvenções de R$ 39 bilhões para R$ 200 bilhões e o STF retirou PIS/Cofins do cálculo de ICMS de empresas de cigarros, logo, a Receita vai ter de “devolver” R$ 4,8 bilhões a elas. Mas quem pagou não foram as empresas, foram os consumidores...
O ministro da Fazenda tem razão ao reclamar do Congresso, do STF e de empresas e setores gananciosos, mas isso não elimina uma realidade: a visão antiquada, populista e perigosa de Lula e do PT sobre rigor fiscal e controle da inflação. Não é de hoje que Haddad e Rui Costa se confrontam, um tentando trazer pragmatismo e confiança, o outro sendo o fiel escudeiro das ideias do PT no Planalto.
Haddad tem uma relação quase filial com Lula, mas Rui Costa está a passos do gabinete e dos ouvidos de Lula, tão sensíveis a pregações populistas. Rigor fiscal, corte de gastos e respeito à matemática, ou ceder à tentação do discurso fácil de que, “no meu governo, não tem corte”? O risco de Haddad – e do governo – é ele perder a capacidade de influência sobre as decisões econômicas de Lula.
Se Rui Costa está mais perto do PT e das velhas convicções de Lula, Haddad se aproximou tanto de ideias mais modernas quanto de BC, Câmara e Senado, mundo empresarial, setor financeiro e mídia. Fez-se essencial. Se a economia for bem, o destino de Lula e do governo é um; se for mal, é outro. “Ir bem” significa seriedade, consistência e credibilidade, não um “saco de bondades” enganosas.
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