segunda-feira, 30 de outubro de 2023

DIANTE DA PIORA FISCAL, GOVERNO DEVERIA FALAR A MESMA LÍNGUA

Editorial Valor Econômico

Presidente Lula diz que não quer fazer cortes em investimentos e que meta de déficit zero dificilmente será atingida

Os resultados fiscais estão piorando. De janeiro a setembro, as contas do governo central tiveram um déficit fiscal (receitas menos despesas, excluindo juros) de R$ 93,37 bilhões. O projeto de lei orçamentária para o ano permite resultado negativo de R$ 228,1 bilhões, mas o governo prometeu que o déficit seria menor, da ordem de R$ 100 bilhões. Na sexta-feira, com as estatísticas de setembro, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, disse que o buraco será maior do que o previsto, de 1% a 1,2% do PIB. Para 2024, quando estreia o novo regime fiscal, a meta é zerar o déficit. Faltam R$ 168 bilhões em receitas adicionais para isso, algo muito difícil de ser obtido.

Pouco tempo depois que o Tesouro apresentou os números, o presidente Lula, em sua primeira entrevista coletiva após a cirurgia a que se submeteu, disse que a meta de déficit zero não deverá ser cumprida e insinuou que o piso inferior de variação do regime (déficit de até 0,25% do PIB em 2024) pode ser o objetivo. “Nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras”, disse o presidente. “A gente não precisa disso”. Lula acrescentou: “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que eu tenho que começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país. Se o Brasil tiver um déficit de 0,25% (do PIB), o que é 0,25%? Nada”.

O novo regime fiscal necessita de aumento de arrecadação para se sustentar, já que prevê aumento contínuo de despesas. Mas contribuiu para acalmar os investidores em relação às piores expectativas existentes sobre o que o PT faria após o fim do teto de gastos, isto é, a perspectiva de uma explosão do endividamento público. O novo regime impede um crescimento rápido da dívida, mas precisa mostrar que funciona de acordo com as premissas que estabeleceu. O presidente, porém, as pôs agora em dúvida, assim como subvalorizou o trabalho do ministro da Fazenda e de sua equipe.

O governo Lula iniciou o ano sob o signo da PEC da Transição, que lhe deu autorização para gastar R$ 165 bilhões a mais do que permitia o finado teto de gastos. O ministro Fernando Haddad se esforça para reduzir o déficit neste ano e cumprir a meta no próximo. A situação das contas públicas não é um desastre, até mesmo porque a economia crescerá mais (3,1%) este ano do que em 2022. Tesouro e Banco Central tiveram superávit de R$ 155 bilhões no ano até setembro, que se transformou em déficit quando contabilizado o rombo da previdência, de R$ 251 bilhões. Houve o aumento previsto de R$ 55,8 bilhões no Bolsa Família e de R$ 12 bilhões na Saúde.

Mas o secretário do Tesouro disse que houve alguma frustração de receitas, além de despesas imprevistas que afetam ou afetarão o resultado no ano, como a antecipação da compensação aos Estados (R$ 20 bilhões) e a demora na aprovação do voto de qualidade do Carf, que poderá trazer R$ 10 bilhões dos R$ 50 bilhões esperados no exercício com a medida. A progressiva regularização da fila da concessão de aposentadorias elevou as despesas no ano em R$ 29,8 bilhões. O governo também deixará de contar com R$ 15 bilhões dos depósitos judiciais da Caixa Econômica Federal. Com isso, o resultado fiscal do ano deverá ficar mais próximo do estimado pela quarta avaliação bimestral de receitas e despesas - déficit de R$ 141 bilhões.

As receitas administradas pela Receita Federal encolheram 2% no ano, ou R$ 22 bilhões. Mas é a enorme queda da arrecadação não administrada pela Receita que tem um peso decisivo no aumento do rombo - está R$ 101 bilhões menor que no mesmo período de 2022. A redução nas receitas de concessões e permissões, de 86%, foi de R$ 38,48 bilhões; a dos dividendos e participações, de R$ 40,64 bilhões; e a de exploração de recursos minerais, de R$ 22,27 bilhões. O governo tem responsabilidade nas duas primeiras, ao se mostrar pouco interessado em deslanchar concessões e defender que a Petrobras, a grande fonte de dividendos para o governo federal, os diminua. A redução dos preços do petróleo afetou os recursos coletados da extração mineral. Feitas todas as contas, as receitas totais até setembro caíram R$ 56,9 bilhões.

Como a economia terá alguma desaceleração no terceiro e no quarto trimestres, as receitas possivelmente não mudarão de tendência. Um resultado pior no ano dificultará a zeragem do déficit em 2024, para o qual haverá ainda grandes dificuldades para aumentar recursos. A lentidão na obtenção de recursos extras não se deve à negligência da equipe econômica, mas à arrastada e difícil negociação dos caciques do Congresso, reunidos no Centrão, para obter posições nos ministérios e estatais do governo Lula. E há possível superestimação do impacto das medidas previstas, como a da arrecadação decorrente de decisão judicial sobre o uso do ICMS para abater impostos federais.

Diante de uma meta fiscal difícil de ser obtida, o governo deveria falar a mesma língua e agir na mesma direção. Mas é o presidente Lula, a quem cabe comandar politicamente esse esforço, que vem a público dizer que a meta inaugural do novo regime fiscal de seu governo não deverá ser cumprida - e de uma forma que indica que isso parece não ter qualquer importância.

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