terça-feira, 31 de outubro de 2023

SECA NO NORTE É FATOR ADICIONAL DE PREOCUPAÇÃO COM A ECONOMIA

Editorial Valor Econômico

Custa a crer a inexistência de planos alternativos de logística, uma vez que a seca é tradicional nesta época

A seca histórica na região Norte já afeta negativamente a vida de 15% da população do Amazonas, que está com problemas de abastecimento de água e locomoção, e com 60 dos seus 62 municípios em estado de emergência. Agora, entrou no radar a preocupação com o impacto da seca na atividade econômica no fim de ano. Pelos rios são conduzidos 95% do transporte dos insumos que abastecem as fábricas da Zona Franca de Manaus e escoados produtos acabados para o varejo do país. Já se dá como certo que as vendas de eletrônicos da Black Friday em novembro perderão descontos, e há o receio de que o Natal seja afetado. Há problemas também no escoamento de produtos agrícolas de exportação pelos portos do Arco Norte.

As indústrias da Zona Franca de Manaus cobrem 26 setores econômicos e empregam 500 mil pessoas, 12,5% da população do Estado. O polo é responsável por toda a produção de ar-condicionado, televisores, máquinas de lavar louça e micro-ondas do país. Boa parte dos equipamentos eletrônicos, como celulares (30%), fones e relógios inteligentes (40%), são lá produzidos, assim como 80% das bicicletas e quase 100% das motocicletas.

O primeiro sinal de alerta veio das montadoras de motocicletas, que, já no início de outubro, reclamaram das dificuldades para a chegada de insumos e escoamento da produção, e do consequente aumento dos fretes. Depois de três anos consecutivos de produção afetada pela pandemia, as empresas esperavam um período mais tranquilo. Tudo parecia correr bem até setembro, quando a produção acumulada em 1,19 milhão de unidades mostrava o melhor resultado em nove meses desde 2013. Mas a seca histórica pode frustrar a expectativa de que o ano mantenha a recuperação. No fim de outubro, quatro empresas que juntas representam 19,6% do mercado - Yamaha, Kawasaki, JTZ e Triumph - anunciaram férias coletivas.

As empresas do polo geralmente programam férias coletivas entre o Natal e os primeiros dias de janeiro, período de menor demanda. Mas este ano será diferente. Cerca de 30 empresas informaram o Sindicato dos Metalúrgicos no Amazonas (SindMetal- AM) que estão antecipando as férias por conta da falta de insumos causada pela seca. Entre elas está a Samsung, que produz em Manaus de tablets e smartphones a televisores e aparelhos de ar-condicionado. A Philco não descarta a providência. Algumas empresas afirmam que se preveniram, antecipando a compra de componentes em julho. Uma delas é a Mondial. Mas restou a dificuldade de despachar a mercadoria para os centros consumidores.

O porto de Manaus, situado onde o Rio Negro encontra o Rio Amazonas, registrou o nível mais baixo desde que os registros começaram a ser feitos em 1902, superando 2010, que tinha sido o menor nível até agora. Problema maior está nas hidrovias do Rio Madeira e do Solimões, que conectam as principais cidades da região amazônica. O Rio Amazonas abriga a navegação de cabotagem e também foi afetado pela baixa das águas. Uma alternativa tem sido o uso de balsas, que, no entanto, são mais lentas e transportam 5% a 10% do volume dos navios.

Há reflexos também na produção de energia. A redução da vazão dos rios da região Norte obrigou o desligamento de uma das maiores hidrelétricas do país, a usina de Santo Antonio, situada no rio Madeira, em Rondônia. Outra grande hidrelétrica no mesmo rio, Jirau, seguiu operando para fornecer energia para o sistema Acre-Rondônia. Com isso, foi desligado o linhão de transmissão do rio Madeira, o maior do país, com 2,4 mil quilômetros, que conecta a produção para o Sistema Interligado Nacional (SIN), usado para transferir energia de uma região para outra do país em caso de necessidade. Felizmente os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste estão bem abastecidos, com mais de 60% da capacidade.

O governo federal prometeu contribuir com R$ 100 milhões para a dragagem do rio Amazonas, na expectativa de aumentar a profundidade para comportar o calado dos navios que chegam ao porto com insumos ou transportam grãos, soja e milho. O sucesso da empreitada, porém, depende principalmente do fluxo de água. No caso dos grãos, a alternativa dos produtores do Centro-Oeste seria voltar ao passado e retomar a antiga - e cara - rota de escoar a safra pelos portos de Santos ou Paranaguá, que era utilizada antes do desenvolvimento dos portos do Arco Norte.

Custa a crer a inexistência de planos alternativos de logística, uma vez que a seca é tradicional nesta época. A redução da vazão dos rios está sendo intensificada neste ano pelo El Niño e pelo aumento da temperatura do Atlântico Norte, fenômenos naturais, exacerbados pelo aquecimento do planeta, o que reforça a importância das iniciativas em favor do ambiente. O Amazonas foi um dos Estados que mais desmataram e queimaram a floresta nos últimos tempos, a ponto de a cidade de Manaus ter enfrentado dias de céu escurecido pela fumaça.

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