sexta-feira, 3 de novembro de 2023

LULA ABRE AS COMPORTAS PARA O DEBATE DA GASTANÇA

Claudia Safatle, Valor Econômico

Qualquer déficit primário maior do que 0,25% reduz a zero a capacidade do governo de estabilizar a dívida bruta como proporção do PIB ainda neste mandato

Ao antecipar a mudança da meta para as contas públicas de déficit zero para algum déficit, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu as comportas para que a discussão passe a ser o quanto gastar a mais. A possível meta, ainda a ser definida, de déficit primário (que exclui os gastos com o pagamento de juros da dívida), de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), para o ano que vem, passou a ser piso para alguns petistas.

Enquanto que para a equipe econômica, qualquer percentual acima de 0,25%, de média, é muito, para fins de sinalização; e joga qualquer esforço de construção de credibilidade no ralo, até 2026.

Pior: qualquer déficit primário maior do que 0,25% reduz a zero a capacidade do governo de estabilizar a dívida bruta como proporção do PIB ainda neste mandato; e consolida o cenário de mercado, que leva a dívida a romper 80% do PIB em 2025, patamar muito superior aos 73% deixados pelo governo de Jair Bolsonaro. Com consequências sobre os rumos da política monetária, especialmente sobre a taxa básica de juros (Selic), que o Copom cortou 0,5%, para 12,25% ao ano nesta semana.

O dano sobre as expectativas já aconteceu e tem efeito sobre a trajetória fiscal desenhada pela equipe de Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Essa trajetória pressupunha zerar o déficit em 2024 e produzir superávits de 0,5% do PIB no ano seguinte, 2025, e de 1% do PIB em 2026. Com isso, haveria a chance de a dívida do setor público se estabilizar em relação ao PIB.

O comentário de assessores do presidente é que Haddad parece mais inseguro com relação às receitas, que são o motor da política fiscal do governo do PT. Sobretudo depois que a arrecadação de impostos começou a cair em termos reais.

Há quem diga que os cálculos do ministro da Fazenda estariam superestimados. Por exemplo, ele conta com uma arrecadação de cerca de R$ 35 bilhões com a esperada aprovação da Medida Provisória 1185, que permite ao governo cobrar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sobre os benefícios do ICMS concedidos a grandes empresas. Os cálculos de técnicos do Ministério do Planejamento indicam que essa medida, se aprovada, deverá gerar uma receita de cerca de R$ 15 bilhões, menos da metade da estimativa de Haddad.

O debate no governo sobre se deve ou não mudar a meta fiscal para algo mais frouxo, abandonando a meta do déficit primário zero, já vem ocorrendo há três meses e, portanto, Haddad não foi surpreendido pelas declarações do presidente Lula, de que é muito difícil zerar o déficit primário em 2024, que não pretende cortar gastos e que, portanto, não vai recorrer ao contingenciamento das despesas.

Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, parece ser o único a favor da posição de Haddad, que é contra desistir da meta de zerar o déficit, sobretudo agora, antes de se ter certeza sobre o que o Congresso vai aprovar de medidas que aumentem as receitas com impostos. Padilha acha que o Congresso deve concluir se é preciso ou não afrouxar a meta fiscal.

A tese de enviar uma mensagem modificativa (do déficit) para o relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), Danilo Forte (União-CE), defendida pelo ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, por questão de prazo, perdeu força.

Queda na bolsa de valores e aumento da taxa de juros futura foram duas das reações imediatas do mercado tão logo ficou sabendo das intenções de Lula, de afrouxar o seu compromisso com a meta de déficit zero. Esta foi uma clara manifestação da lei das consequências não intencionais (law of unintended consequences), dado que uma das principais batalhas de Lula é a redução dos juros no país.

Segundo artigo de Niall Ferguson, colunista da Bloomberg Opinion, em tradução livre: “Existe apenas uma lei verdadeira da história e essa é a lei das consequências não intencionais - onde o que acontece não é o que deveria acontecer”, sobre a grande derrota dos títulos do Tesouro americano nos dois últimos anos. Ferguson assinala que ninguém poderia ter previsto o colapso do mercado de títulos do Tesouro, exceto todos os críticos das taxas de juros artificialmente baixas desde John Locke.

Se for confirmada a intenção de Lula, o que era uma dúvida do mercado, de que a meta do déficit zero não seria cumprida, passa a ser uma certeza. E os anos seguintes, até o fim do seu mandato, em 2026, ficarão sem âncora fiscal alguma, pois ninguém mais vai acreditar nas metas do governo, que mudam antes mesmo do jogo começar.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário