Seria melhor para o país a elaboração de um orçamento para 2024 mais fidedigno, mesmo que isso exija a revisão da meta fiscal
O arcabouço fiscal estabelece resultado primário nulo em 2024, com um intervalo de tolerância correspondente a 0,25 ponto percentual do PIB. O consenso entre especialistas, porém, é de que a meta não será cumprida, com as projeções de déficit variando entre 0,5% do PIB e 1% do PIB. Em grande parte, essa avaliação advém da percepção de que algumas projeções de receita fiscal no PLOA são exageradas, enquanto certas despesas obrigatórias estão subestimadas.
Em contrapartida, membros da equipe econômica argumentam que haverá esforço para alcançar esse equilíbrio fiscal, sugerindo forte contingenciamento dos gastos após a divulgação do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 1º bimestre. Todavia, na semana passada, o presidente Lula aquiesceu, após afirmar que faria tudo que fosse necessário para cumprir a meta fiscal de 2024, que não buscaria essa meta às custas do corte de obras prioritárias no início do ano. O chefe do Executivo também lembrou que um déficit primário de 0,25% do PIB ou 0,5% do PIB seria pouco relevante.
A declaração foi muito criticada, sob a alegação de que enfraquece a capacidade do Ministério da Fazenda de convencer parlamentares a aprovarem projetos de elevação de impostos e a rejeitarem propostas de aumento de gastos. Nesse sentido, a reação imediata dos preços de mercado foi de recuo dos índices da bolsa de valores, elevação dos juros futuros e depreciação cambial.
Todavia, Lula está correto ao apontar que o impacto nos fundamentos de uma diferença no resultado primário de 0,5 ponto percentual do PIB em um determinado ano é pouco significativo, haja vista que a projeção de antemão dos números fiscais não é precisa o suficiente para diferenciar esses resultados. Quando muito, o comentário do presidente terá efeito de curto prazo, uma vez que já era generalizada a expectativa de déficit primário em 2024.
O argumento de que o ministro da Fazenda sai enfraquecido após a declaração de Lula não faz sentido, até porque as promessas do time econômico de que seriam feitos esforços para alcançar o equilíbrio fiscal não tinham sido capazes, até então, de diminuir as projeções de déficit.
Do mesmo modo, não entendo como a aprovação de um orçamento com déficit zero em 2024 a partir de hipóteses pouco realistas seja capaz de manter a credibilidade do arcabouço fiscal. Não faz sentido atribuir grandes benefícios à divulgação de um orçamento equilibrado quando poucos acreditam nessa possibilidade. Muitos analistas apontam para a superestimativa de algumas receitas em cerca de R$ 100 bilhões. Um exemplo de um suposto otimismo é a expectativa de arrecadação de R$ 35,3 bilhões proveniente da aprovação pelo Congresso da MP 1185/2023 sem alterações - crédito fiscal decorrente de subvenção de investimentos, bem como de R$ 10,4 bilhões originados da aprovação no Congresso da tributação dos Juros sobre Capital Próprio.
Mesmo sendo otimista e assumindo que essas propostas serão acatadas rapidamente pelo Congresso, em conjunto com a aprovação da tributação de apostas e com uma receita superior aos projetados R$ 20,3 bilhões da mudança na tributação sobre fundos exclusivos e fundos offshore, o cumprimento da atual meta fiscal está longe de certo. A leitura majoritária é de que um equilíbrio fiscal só será garantido no caso de crescimento econômico mais vigoroso ou de forte aumento dos preços de commodities, em particular do petróleo, o que aumentaria o recebimento de impostos e de dividendos.
O ponto mais relevante, mas pouco discutido, não está em mudar a meta em 0,5 ponto percentual do PIB, e sim em aprovar orçamentos pouco confiáveis, o que acarreta efeitos nefastos para a credibilidade de toda a discussão orçamentária.
Apesar de o rito orçamentário ser bem definido - apresentação e votação das Diretrizes Orçamentárias, seguidas da apresentação do PLOA e dos debates em diversas comissões parlamentares e, por fim, aprovação no plenário, as projeções de receitas são geralmente exageradas e as de despesas obrigatórias subestimadas, de forma a acomodar pleitos dos ministérios e dos parlamentares. Depois da divulgação do 1º RREO bimestral, essa sistemática leva, quase sempre, a um contingenciamento expressivo de despesas para adaptar as contas públicas às previsões de arrecadação mais baixa e para criar espaço para contornar eventuais eventos negativos.
Uma das principais críticas ao atual processo está associada à escolha pelo Executivo, sem muita influência do Legislativo, das áreas a serem impactadas pelo contingenciamento. Essa tradição fragiliza o rito orçamentário como sendo o ambiente apropriado de debate do Executivo e do Legislativo sobre o estabelecimento de prioridades na alocação de recursos públicos. Orçamentos com projeções de receitas superestimadas enfraquecem esse rito, pois incorporam uma etapa de contingenciamento menos transparente e muito dependente da influência sobre o Executivo de grupos de interesse e de cada parlamentar para obter prioridade quando no descontingenciamento de recursos.
Em outra frente, tenho dificuldade de crer que a aprovação de um orçamento com projeções exageradas de receita seja um estímulo para que os parlamentares se empenhem para aprovar medidas que contribuam para o aumento da arrecadação tributária. Ao contrário, é mais provável que os parlamentares sejam ainda mais estimulados a converter uma maior parte das emendas parlamentares em desembolsos obrigatórios e não passíveis de contingenciamento.
Em suma, seria melhor para o país a elaboração de um orçamento para 2024 com projeções, em particular das receitas fiscais, mais em linha com a expectativa dos próprios especialistas do setor privado de déficit primário mais próximo a 0,5% do PIB, mesmo que isso exija a revisão da meta fiscal - sem incorporação de novas despesas. As vantagens da aprovação de uma peça com projeções de receitas e despesas pouco confiáveis para, logo depois, se promover contingenciamentos com critérios passíveis de questionamento são enganosas, ainda mais quando a forma de liberação desses recursos é pouco transparente.
Um cenário favorável seria o comprometimento do presidente Lula com a recuperação da receita fiscal, em particular por meio do corte de renúncias tributárias ineficazes e injustas. Ao mesmo tempo, o Executivo e o Legislativo poderiam decidir que um aumento da arrecadação seria convertido inteiramente em resultado primário, sem a aplicação neste ano das regras do arcabouço fiscal que permitem o aumento das despesas no caso de previsão de receitas maiores. Ao contrário de ficar preso ao 0,5 ponto percentual do PIB para lá ou para cá, neste ano, a aprovação de um orçamento com projeções críveis e com menor chance de contingenciamento é a melhor forma de fortalecimento sustentável da credibilidade fiscal do país.
*Nilson Teixeira é Ph.D. em economia.
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