Desde que Flávio Dino foi indicado por Lula para o Supremo Tribunal Federal e Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República, uma aparente normalidade tomou conta do noticiário, dominado pelas costumeiras manchetes sobre o périplo dos candidatos pelo Senado e apostas sobre a sucessão no Ministério da Justiça.
Calmaria, porém, é tudo o que não existe por trás das cortinas.
Enquanto Dino e Gonet passeiam pelos corredores do Senado tirando fotos em cafés, almoços e jantares de campanha, encontros bem mais tensos vêm ocorrendo a portas fechadas em Brasília. Segundo me contaram alguns dos participantes, o prato principal é a Proposta de Emenda à Constituição que limita o poder dos ministros de conceder decisões individuais para derrubar atos do Executivo e do Legislativo — a já famosa PEC do Supremo.
Proposta por um senador da oposição, mas aprovada com votos até de governistas, a PEC mandou para a trincheira um dos mais temidos e poderosos operadores políticos do Brasil: Gilmar Mendes. Furioso, o ministro foi ao microfone do STF chamar os responsáveis pela aprovação da PEC de “pigmeus morais” e dizer que não se curvaria a ameaças e intimidações do que classificou como “tacão autoritário”.
Lembrou, ainda, que foi graças às decisões que o Congresso quer limitar que o Supremo “afastou do cenário institucional a ameaça a inúmeros agentes públicos representadas por tantos falsos heróis como aqueles que compuseram a chamada ‘República de Curitiba’”. Não é preciso ser um gênio da interpretação de texto para entender o recado.
Mas só isso não bastava.
Inconformado, Gilmar sugeriu aos mais próximos que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e seu aliado Davi Alcolumbre ainda se arrependeriam de ter empurrado a PEC adiante.
Procurou senadores para passar um sabão — como o líder do governo Lula, Jaques Wagner. E de acordo com o relato de Eliane Cantanhede na Globonews, Gilmar disse a Wagner que ou ele era um gênio ou era um idiota por ter votado contra o Supremo.
Reclamou, ainda, para o presidente da República, na reunião de emergência no Palácio do Planalto em que foi recebido com os colegas Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
De olho no fato de agora caber à Câmara analisar a PEC, o decano do STF ainda acionou alguns aliados. Um deles foi Paulinho da Força, que se prepara para retomar o mandato de deputado federal enquanto tenta sustar no Supremo a condenação imposta por uma turma do próprio tribunal a dez anos de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa, num caso de desvio de recursos de financiamentos do BNDES.
O deputado nega ter falado com ministros ou recebido qualquer encomenda, mas acordou na sexta-feira disposto a impetrar um mandado de segurança para deter a tramitação da PEC, alegando que ela é inconstitucional. E disse à jornalista Maria Cristina Fernandes, do Valor, ter tanta urgência que não podia nem esperar para reassumir o mandato nesta semana.
O texto então foi encampado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e já estava pronto para ser protocolado quando o presidente da Câmara, Arthur Lira, soube da tempestade que se armava e entrou na jogada. Lira também está entre os beneficiados por uma decisão recente do Supremo, mais especificamente do próprio Gilmar.
No final de outubro, o ministro mandou destruir todos os áudios captados com autorização judicial no âmbito do inquérito em que o presidente da Câmara era investigado por desvio de recursos de contratos de kits de robótica para escolas de Alagoas.
Aos deputados e emissários, Lira disse estar disposto a “construir uma solução” e tentar acabar com a crise — mas para dar certo não dava para haver um mandado de segurança na praça.
Desde então, já houve uma série de conversas com a participação de emissários que buscam, de um lado, acalmar Gilmar e seu ímpeto de revanche e, de outro, obter de Lira o compromisso de engavetar de uma vez a PEC do Supremo. Sem um acordo, a “bancada” de Gilmar na Câmara pode simplesmente jogar o mandado de segurança no ventilador. Aí, cada um que arque com as consequências.
Não é questão simples para Lira. Ele sabe que, engavetando a PEC, desagradará a uma ampla ala anti-STF e prejudicará os planos de eleger um aliado para lhe suceder na presidência da Câmara em 2025. Se não fizer isso, poderá ter o Supremo como inimigo, o que pode ser igualmente desastroso.
Não é difícil enxergar, nesse enredo, o prenúncio de um grande acordo, ou de um acordão. Se vai funcionar e por quanto tempo, já são outros quinhentos.
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